Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Monday, August 22, 2005



De João Pessoa, na Paraíba, Mestre Esmeraldo comanda o projeto musical Chico Correa & Electronic Band, aponta uma trilha saliente na paisagem sônica brasileira e funde referências sertânico-agrestes a aspirações globo-locais. O trabalho da banda impressiona pela liberdade com que seus músicos encontram parentescos entre gêneros tão diversos quanto rock, funk, bossa nova, baião, samba de coco, jazz, jungle, trip hop, dub e outros.
A banda ganhou visibilidade em 2003, no Festival Abril Pro Rock (Recife/PE) e no TIM Festival (Rio de Janeiro/RJ). Desde 2002, teve diversas formações, capitaneada por Chico Correa (guitarra, programação eletrônica, efeitos digitais) e consolidada a partir de 2004, com Ed (contrabaixo), Larissa Montenegro (vocais), J. Cassiano (percussão), Vitor Ramalho (bateria e percussão) e Stephan Suíço (sax).
Chico Correa narra os primórdios:
- "A idéia era simples, eu e computador, só loop e groove, só love. Depois da entrada dos músicos e da cantora, acabou mudando prum lance ambient-regional. Eu gravava em MD: dava play e tocávamos por cima. Hoje usamos samples, groove-box e metrônomo pro baterista, há mais possibilidades de combinar e recriar ao vivo."
No disco a ser lançado ainda no segundo semestre de 2005, as duas tendências se equilibram. Os ritmos vão do berimbau-jungle cru e instigado de "Afrotech" ao agrestewerk cangaço-gangsta de "Côco de elevador" e o baião-de-viola sincopado de "Esperando o dia passar". O eletrofunk é a praia em que transita "Eu pisei na pedra", enquanto "Mangangá" junta rock e maracatu, mas com uma fórmula diferente da usada pelo mangue-beat. Outras pistas: "Bossinha", "Baião lo-fi"... A fauna humana local é representada por "Lelê" (toada de saudade interestelar), "Zabé" (tecno-embolada) e "Odete" (drum'n'roots).
Ao vivo, o grupo atua como um live-PA: Chico manipula a parafernália eletrônica e conduz a guitarra, a graciosa voz de Larrisa dispara glissandos mouriscos e o quarteto de jazzistas galopa faixas de áudio que sincronizam o tradicional samba-de-coco-de-engenho paraibano com células de step-funked breakbeat.
Parece noite de drumba-meu-boi: arrasta-scratches, schottische-scratches e xaxado remixado sacudindo retro-retirantes e alto-falantes induzindo à dança o homem-gabiru, genuinamente ao "som do demônio", no sentido de uma mistura de música de black magic com demonstration tape, xangô de batuque e gene de drum machine.
No meio dessa encruzilhada de ruídos, versos de domínio publico:
- "Olê, olá, o coquista está aqui."
Ou:
- "Serena, serená,
serená do amor,
nos braços de quem me ama
morro, mas num sinto a dor.
"
Ou:
- "Eu pisei na pedra,
a pedra tremeu,
a água tem veneno,
oi morena,
quem bebeu, morreu.
"
Chico desde 1999 produz esse sons. Ele foi pesquisador do Laboratório de Estudos da Oralidade (Universidade Federal da Paraíba) e colabora no grupo paraibano Jaguaribe Carne ("Vem no vento", 2003) e na comunidade transregional Re:combo. "Toquei com Eleonora Falcone durante um ano, eletrônica sutil com tango, MPB, bossa e coco, fiz shows com Lado 2 Estereo e Gilberto Monte (da banda baiana Tara Code)", martela o músico. Em 2005, Chico Correa & Electronic Band se apresentou várias vezes em São Paulo e passou também por Salvador/BA, Belém/PA e Brasília/DF.
Que venham mais shows, e que a eles venham caranguejos, caipiras, caiçaras, sertanejos, cangaceiros urbanos, ciber-sacizeiros, clubbers caboclos. Chico Correa & Electronic Band é a música nômade nordestina desta década, a "viver de porta em porta, com a mochila na mão".