Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Saturday, August 05, 2006

SEGUNDA JORNADA

uma pentax optio s-45 me suga definitivamente para dentro da era da imagem digital. o diário de viagem silencia, o olhar ultrapassa a escrita. as palavras agonizam no monitor mental. fico letárgico por um tempo, incapaz de formular uma frase com início, meio e fim. fotografias se sucedem obsessivamente, favelas, cartões postais, cenas domésticas. dias pacíficos gravados em memória flash. a claridade do céu e cores em abundância são o alfabeto com que tento esboçar uma história. os instantes congelados pela tecnologia funcionam como anotações esperando para serem organizadas em uma sequência coerente, seja ela confessional, seja documental.

por exemplo: largo de santo antônio além do carmo, centro histórico de salvador. uma placa na praça informa que a prefeitura está trabalhando na "recuperação" da igreja de santo antonio, onde em 1683 "o conde de bagnuolo oppoz a maior resistência à invasao hollandeza de mauricio de nassau, repellindo com denodo os ataques de 21 de abril e 13 de maio".

um mutirão comandado pelo artista plástico caetano dias (baiano de feira de santana e ex-funcionário do pólo petroquímico de camaçari/BA) começa a construir um muro com açúcar derretido (melado) na esquina da rua dos carvões com o largo de santo antônio. trata-se de uma intervenção urbana em área pública intitulada "canto doce", interdição da calçada entre um poste e um casarão meio em ruínas (com um par de orelhões da telemar no meio) por uma mureta feita de oito sacas de açúcar cristal safra 2005/2006. acompanho os preparativos tomando cerveja no antoniu's bar e restaurante, na rua dos perdões, e olhando distraidamente a disputa pelo terceiro lugar na copa (alemanha 3 x 1 portugal). o jogo acaba. volto à esquina para assistir a preparação do melado e a montagem do trabalho. moradores e transeuntes aparecem para ajudar. crianças arrodeiam os fogões improvisados com perguntas e gracejos. o açúcar derretido escorre das caldeiras, por um funil, para dentro das armações de madeira que servem de fôrma para o muro. o açúcar derretido desce entre duas armações de madeira e se acumula, se solidifica, endurece aos poucos e aos poucos esfria. chega um senhor chamado acaçá e começa a ajudar também. ele está visivelmente bêbado. agora o muro de açúcar está pronto, mas ainda quente. senhor acaçá se admira ao vê-lo, gelo de água suja, água dura marrom. acaçá brinca com a obra, finge que vai socar o muro de açúcar, ri. naquela noite o artista dias interviu, acaçá interferiu, eu vi tudo e a foto de acaçá fingindo formiga a morder é minha.




Exposição de esculturas e fotografias de Caetano Dias. Galeria de Arte Marília Razuk (av. Nove de Julho, 5.719, lj. 2, Jardim Paulista, região central, tel. 3079-0853). Seg. a sex.: 10h30 às 19h. Sáb.: 11h às 14h. Abertura 7/8. Até 26/8.