Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Monday, February 16, 2009

O Carnaval na literatura de cordel baiana

ABC

Os "ABCs" são uma modalidade da literatura de cordel muito antiga, dedicada a homenagear heróis e localidades, personagens e acontecimentos. "A função primitiva dos ABC devia ser mnemônica", informa Câmara Cascudo em "Vaqueiros e cantadores" (p. 70). A disposição das estrofes, cada uma iniciada por uma letra diferente, em sequência de dicionário, facilitaria a memorização dos versos.

CARNAVAL

O Carnaval é um tema de vasto cultivo na literatura de cordel do Nordeste brasileiro. Dois folhetos antigos, do tempo em que o Carnaval tinha "três dias": "O Carnaval da Bandalheira", do poeta-repórter José Gomes, Ele o Tal Cuíca de Santo Amaro (1907-1964), e "Um exemplo que se deu no Carnaval deste ano" (1954), de Manoel Camilo dos Santos. São folhetos que podem ser classificados como de crítica de costumes ou sátira:

"E assim é o Carnaval
Três dias de bandalheira
Três dias de orgia
Três dias de mulequeira
Três dias de pandemonio
Três dias de bebedeira
"
(Cuíca de Santo Amaro, "O Carnaval da Bandalheira")

Um exemplo contemporâneo desse gênero de literatura de cordel que tem o Carnaval como tema central são as coberturas jornalísticas em forma de cordel do repórter-poeta Zezão Castro, registros em verso rimado dos Carnavais de 2004 e 2008 (salvo erro na datação), publicados em páginas especiais do jornal "A Tarde". Os dois cordéis-reportagem talvez sejam os únicos, nos tempos atuais, impressos no calor da hora em um veículo diário de grande circulação.

ABC DO CARNAVAL 1

"ABC do Carnaval", do alagoano radicado na Bahia Rodolfo Coelho Cavalcanti (1919-1986) é outro folheto que pode ser incluído na categoria de crítica ou sátira. O poeta usa a palavra para moralizar a sociedade, numa "luta contra a dissolução dos costumes e a desagregação moral" (na definição de Orígenes Lessa em nota introdutória à antologia "O cordel e os desmantelos do mundo", 1983, p. 13):

"Rua abaixo, rua acima
Vão 'marchando' os cordões
São 'blocos' e 'batucadas'
São grupos de fuliões!
Quantas almas decaidas?
Quantas mulheres perdidas
Neste mar das iluzões?
"
(Rodolfo Coelho Cavalcanti, "ABC do Carnaval")

Publicado após o mesmo Carnaval em que a Fobica de Dodô e Osmar desfilou pela primeira vez (1950) e abriu alas para a capitalização da festa, o cordel de Rodolfo ironiza o Carnaval dos bailes nos clubes. Não chega a mencionar as recentíssimas invenções da guitarra baiana ou do trio elétrico, que a partir daí renovaram o Carnaval de rua.

ABC DO CARNAVAL 2

É nessa tradição que se insere meu "ABC do Carnaval" (Edições K, 2009). Porém estamos em outros tempos, os costumes mudaram muito, o Carnaval se industrializou e agora tem "sete dias", conforme hiperboliza meu folheto. O Carnaval se tornou um dos símbolos da identidade coletiva do povo de Salvador. Mesmo com a mediocridade musical reinante, existe música de qualidade no trios elétricos. Mesmo com o agravamento do problema da privatização do espaço público durante os desfiles, o Carnaval é a hora em que o povo sai às ruas e reocupa seu território, com a graça da arte ou com a dor da violência. Meu "ABC do Carnaval" enaltece uma cidade que por alguns dias se transforma em uma festa.

ABC DO CARNAVAL
Autor: Wladimir Cazé
Edições K
14 páginas
R$ 3,00
À venda na loja Midialouca (Rua da Fonte do Boi, 81, Rio Vermelho, tel.: 71-3334-2077) ou com o autor, pelo telefone 71-8890-6545 e pelo blog www.silvahorrida.blogspot.com