"O melhor da festa" (Nova Roma, 2009)
No interessante artigo "Crítica literária (e jornalismo cultural)", em que discute as condições para o exercício da crítica no Brasil de hoje, Luís Augusto Fischer caracteriza o Rio Grande do Sul, ao lado de Pernambuco e em comparação com os centros hegemônicos (Rio de Janeiro e São Paulo), como uma província "com vida relativamente autônoma, com lastro local reconhecível", cuja "identidade local (...) reativa a um nacionalismo frustrado, é fortemente recalcada e por isso mesmo fortíssima" (p. 64).
No âmbito da literatura, o estado capitaneado por Porto Alegre é sem dúvida um dos circuitos mais bem estruturados do país, com personalidade própria e atividade intensa. Tomado como possível exemplo desse fato, "O melhor da festa" tem sua força fundamentada não na qualidade ou no brilho individual de cada um dos textos, mas na vitalidade do conjunto, que, embora seja oscilante como em qualquer coletânea, se mantém constante ao longo do livro.
Cinismo, hedonismo e individualismo, marcas da literatura nascida em contextos urbanos contemporâneos, desfilam com ironia em dois dos contos mais bem resolvidos do volume, "Os dez mandamentos", de Flávio Ilha, e "Serão", de Luís Dill. No segundo texto, a situação relatada poderia se referir a qualquer grande cidade, mas é mesmo Porto Alegre (sutilmente reconhecível em palavras como "vila" e "churrasco") que é retratada como cenário de um cotidiano sombrio, propenso à violência gratuita.
A modernidade da capital gaúcha também é capturada, em "O melhor da festa", por textos tributários às vertentes literárias pop (em momentos maneiristas e pouco inspirados, assinados por Reginaldo Pujol Filho e Sidnei Schneider) e junkie (Marcelo Benvenutti). Na dimensão oposta, um certo ar interiorano e nostálgico comparece em contos como "Mijo bento", de Alexandre Florez, e "Nonoai", de Leandro Malósi Dóro.
Essas dimensões distintas são de certo modo combinadas, com efeito dramático, em "A caixa", de Pedro Gonzaga, o conto mais bem construído da coletânea. Aqui o retorno do narrador à casa de veraneio de sua infância se dá em meio a um suspense e a uma pulsão erótica que tornam a história irresistível. A aparição de um gambá (ao mesmo tempo singelo e ameaçador), no momento culminante da trama, prepara de maneira precisa a frustração final do personagem.
Entre os poetas, Everton Behenck se destaca com o poema sem título das páginas 35 e 36, que se ocupa "do que há embaixo / da pele", do "subcutâneo", "do que é submerso" e "não chega à tona". Eis um autor que utiliza com propriedade o verso curto (recurso tão banalizado na poesia de nossos tempos).
Estas são apenas algumas anotações breves sobre o livro, no intuito de convidar o leitor a curtir "O melhor da festa". A companhia é boa e a farra é certa.