ENTRE OS CHACAIS
Tínhamos uma guitarra novinha em folha, um baixo surrado, um violão folk. China apareceu com um amplificador de três canais e o deixou conosco, emprestado. Ele e Bolla apareciam nos ensaios, davam palpites. Goodgroves e Chaca eram músicos versáteis, virtuoses do groove. O plano era colonizar Rua Augusta e Vila Madalena, precisávamos descobrir como. Colamos em bares estratégicos de Pinheiros um anúncio:
- "Guitarrista e baterista
procuram baixista
e vocalista que tenham
influências de
hardrock e blues
para
formar banda."
Nunca aparecia ninguém por causa do anúncio.
Quando Goodgroves desenhou um lobo estilizado e pagou um tatuador para copiá-lo em seu braço, a gangue toda o imitou, menos eu, para não poluir minha carne. Pouco tempo depois, Goodgroves, Chaca, China, Bolla, a hoste inteira ostentava em alguma parte do corpo, como um brasão familiar, a figura do cachorro selvagem do arizona, altivo sobre as quatro patas, a cauda longa de pêlo eriçado. Para simbolizar meu pertencimento à alcatéia, imprimi a logo do lobo com tinta dourada e apliquei-a às costas de minha jaqueta de couro. Ficou sensacional.
- "Colé, chaca?"
- "Beleza, chaca?"
- "'B'ora, chaca!"
Todos nos chamávamos de "chaca", como um sobrenome. Eu zanzava pelo apartamento abrindo latas de cerveja e rabiscando letras de canções, enquanto Goodgroves & Chacal implementavam o velho e bom rock'n'roll clássico britânico. De orelha em pé, olhos em posição de rapina, narinas em riste, escorregávamos no espaço hiperdimensional como nossos ancestrais espreitando presas sob a luz ciano de lua cheia sobre a areia: o computador sempre ligado, horizonte perenemente penetrável.