Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Thursday, September 11, 2008

Manuel Orlando é outra pessoa no mesmo corpo, passados os anos. O percussionista parece com o cara que ele era tempos atrás, no porte franzino, na pela preta fosca, mas muita coisa mudou nele com a experiência da vida e a prática da arte. Foi freqüentando as sessões musicais do fim da tarde de sábado no museu do Solar do Unhão que ele tomou gosto por bater nas caixas e nos pratos com uma baqueta e com a mão dar pancadas nos tambores, primeiramente como apenas um rapaz na platéia, depois como aprendiz na escola do Pelourinho, onde se destacou pela precisão de seu toque e pela rapidez de suas viradas, sendo então merecedor de uma bolsa de estudos no Canadá. Nunca tinha pensado em morar em outro país, e aproveitou a oportunidade sem pestanejar, apesar do receio do insucesso e do aperto que sabia estar à sua espera em um lugar de temperaturas tão baixas. Por quatro semestres, o conservatório o colocou em contato com ricos conhecimentos e técnicas, enquanto a cidade cartesiana e acolhedora lhe convocava os sentidos a um salto além das convenções da distante terra natal, com amigos loucos e mulheres imprevisíveis em bares em chamas e ruas geladas do hemisfério norte. Se ele gostou da experiência e conseguiu até ganhar algum dinheiro tocando em grupos de jazz e mambo; se ele poderia te desenvolvido uma carreira sólida, por que decidiu voltar ao Brasil ao fim de dois anos? Manuel Orlando sentiu que precisava se ver em seu cenário de origem, convertido em outro ser pela carga acumulada no estrangeiro; sentiu a necessidade de recolocar quem ele agora era no lugar de onde viera, para desse confronto extrair sua verdadeira identidade. E assim, com um chapéu de veludo azul e a barba por fazer, desembarcou no Aeroporto Luís Eduardo Magalhães para recomeçar a vida.