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Os aposentos em que os escritores (essa subespécie de leitores) se cercam dos materiais de que precisam para seu trabalho adquirem alguma coisa de animal, à maneira de uma toca ou ninho, tomando as formas de seu corpo e oferecendo um receptáculo para seus pensamentos. Ali, o escritor pode fazer a cama entre os livros, ser um leitor monógamo ou polígamo a seu bel-prazer, selecionar um clássico consagrado ou um novato desconhecido, deixar argumentos pela metade, começar por qualquer página aberta ao acaso, passar a noite lendo em voz alta para ouvir o eco da própria voz 'sob o silêncio amigável da lua tácita', nas famosas palavras de Virgílio." (p. 150)
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Um estúdio confere a seu proprietário, a seu leitor privilegiado, aquilo que Sêneca chamava euthymia
, um termo grego que, explicava o filósofo, significa o 'bem-estar da alma' e que ele traduzia como 'tranquilitas'. Todo estúdio aspira, afinal, à euthymia. Euthymia
, memória sem distração, intimidade da leitura, período secreto do dia comunal - é isso o que procuramos num espaço privado para a leitura." (p. 158-9)
Alberto Manguel, em "
A biblioteca à noite" (ensaios)