(José Agrippino de Paula, “Panamérica”, Editora Papagaio, 3ª edição, 2001, p. 230)
Lançado no alvorecer do momento tropicalista, “Panamérica” (1967), de José Agrippino de Paula, é (numa descrição simplificada) o relato iconoclasta, alucinatório e grotesco das peripécias de um protagonista indeterminado (de ares demiúrgicos, ao surgir como diretor de uma superprodução cinematográfica baseada em episódios bíblicos), que se movimenta, em saltos bruscos e situações de sexo e violência, através de locações marcadas pela abundância de estímulos sensoriais da sociedade de massas (onde contracena com simulacros de astros do cinema hollywoodiano e de esportistas norteamericanos) ou pela luta ideológica (quando se envolve com o conflito entre militares e “guerrilheiros comunistas” em cidades e selvas montanhosas da América do Sul). A narrativa se estrutura a partir de uma técnica de escrita automática, livre de qualquer referencial naturalista – a figura de “Marilyn Monroe”, por exemplo, é descrita, num mesmo capítulo, como tendo um corpo “muito gordo”, que “formava grandes dobras e volumes na barriga, nos seios e nas coxas” (p. 53), para reaparecer, poucas páginas adiante, com um “corpo lindo e firme”, de “nádegas firmes” (p. 59); mais à frente, ela é assassinada com um tiro de “revólver no olho” (p. 166) e logo em seguida ressurge, com vida; páginas adiante, quando o protagonista é informado de que “Marilyn Monroe tinha se suicidado” (p. 187), ele pensa, ao ver seu “corpo rígido”, que “ela poderia estar dançando e que seria uma representação da morte”; novamente, a personagem reaparece com vida pouco depois (desta vez grávida). A imaginação de Agrippino também remete às histórias em quadrinhos (“Eu realizei uma curva no espaço e subi veloz levado pelos meus dois foguetes presos às costas”, p. 175), ao cartum político (“Eu olhei para as cabeças dos comunistas conservadas no frigorífico do Departamento de Ordem Política e Social (...). Os olhos estavam abertos e a língua para fora, e havia uma outra língua comprida e fina amarrada ao pescoço da enorme cabeça como uma gravata”, p. 103), a intuições fellinianas (“Sophia Loren se ajoelhou ao lado de Carlo Ponti para que este pudesse chupar as suas quatrocentas tetas, de onde esguichava leite abundante”, p. 229) e a muitas outras fontes e influências, numa voracidade antropofágica verdadeiramente visionária.