“As gaivotas e os corvos tomam Melanie de assalto como uma ventania, em ondulações de som.” (p. 102)
(Camille Paglia, “Os pássaros”, Rocco, 1999, tradução de Jussara Simões)
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No ensaio “Os pássaros”, Camille Paglia esmiuça as complicadas filmagens e a construção narrativa e estética do longametragem de Alfred Hitchcock de 1963 (um “poema apocalíptico”, na definição de Fellini), traçando paralelos temáticos com outras obras do diretor (e da cinematografia ocidental) e detectando as principais linhas de força que sustentam seu enredo: o caráter violento e destruidor da natureza; a tensão sexual provocada pelo advento de uma mulher emancipada num lugarejo conservador. Recorrendo a observações de outros estudiosos do filme, Paglia faz conexões entre seus elementos, às vezes pertinentes e inesperadas, às vezes inconvincentes. “Os pássaros”: a suspensão ficcional de um fato científico (aves de espécies diferentes não voam em um mesmo bando) se evidencia como o núcleo ativador da história (numa cena, “andorinhas, tentilhões e trigueirões”; em outra, “gaivotas, gralhas e corvos”), enquanto a câmera, orientada pela “mente (...) estritamente visual” de Hitchcock, capta as várias situações que derivam desse ponto de partida e se sucedem com “naturalismo documental” – procedimento que é, Paglia acrescenta, “a primeira condição necessária do Surrealismo” (p. 15).