Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Sunday, May 08, 2005



O mato-grossense Manoel de Barros, 89 anos, pertence àquela classe de escritores dos quais se costuma dizer que vivem a reescrever o mesmo livro ao longo de toda a sua obra. Em "Poemas rupestres" (Record, 2004, 80 páginas), 21º título da bibliografia do poeta, ele retorna aos elementos que marcam seu trabalho desde a primeira publicação, em 1937: a paisagem do Pantanal, a infância, a relação misteriosa que existe entre as coisas e os nomes que damos a elas.
Para o leitor já familiarizado, não há nada de novo nos 23 textos do volume. Sua leitura, porém, surpreende - tanto a quem conhece quanto a quem trava um primeiro contato com o autor - pela inventividade com que ele aborda a natureza e os habitantes da região onde vive, conferindo-lhes alcance universal.
A poesia se torna uma forma privilegiada de acesso ao mundo, por ser fundada no encantamento. Na contramão da lírica convencional, contudo, Manoel de Barros fala de um encantamento por tudo o que à primeira vista parece desprezível: para o olhar do poeta, beleza e verdade podem ser encontradas numa lata jogada no lixo ou numa perna de formiga agonizante. Trata-se do que, em outro livro, ele chamou de "grandezas do ínfimo".
Explorando as fronteiras entre os reinos animal, vegetal e mineral, o autor encontra iluminações insuspeitas - como o poste que se transforma numa árvore. Revolvendo os detritos da linguagem, entre arcaísmos e neologismos, ele descobre "uma natureza que pensa por imagens" (p. 45) - como as figuras que o homem pré-histórico pintou na pedra.