Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Wednesday, February 10, 2010

“(...) o ideal seria não ter que voltar, enfrentar a viagem como uma fuga radical (...). No fundo, sempre o desejei. Todo mundo quis fazê-lo alguma vez. Todos abominamos o lar confortável, esse domicílio fixo que leva escrito o nome da morte na perfeita tristeza de nossos móveis, na bondade da cama de cada dia, em nossa vida cinzenta de perfeita ordem feliz.” (p. 83)

As pessoas que viajam sozinhas têm um sexto sentido, uma espécie de facilidade ou capacidade de percepção muito superior àquelas que viajam acompanhadas e ficam o tempo todo falando como maritacas e nada percebem, incapazes de captar detalhes (...)” (ps. 131-132)

(Enrique Villa-Matas, “A viagem vertical”)



Barcelona, Porto, Lisboa e Funchal (Madeira) são os cenários por onde trafega Mayol, o personagem principal de Vila-Matas no romance “A viagem vertical” (1999), numa solitária “queda livre e descida vertical em direção ao sul” (p. 131), percurso que é tanto geográfico quanto existencial. Já um ancião de 77 anos, Mayol se vê levado, de um dia para o outro, a exilar-se do terreno firme e familiar de sua Barcelona natal e a iniciar uma “peregrinação ao fundo de si próprio”. Ele escolhe seu itinerário de maneira um tanto aleatória, ao sabor de associações livres e sugestões do acaso: “(...) pensou ter ouvido a palavra Porto. Porto! Acabara de escutar ou acabara de imaginar? Não pensou duas vezes e (...) adquiriu (...) uma passagem de avião para o Porto” ( p. 69). Quando alcança o limite do Atlântico, em Lisboa – uma cidade “Labiríntica (...), triste e cativante (...), elegante em seu serpentear” (p. 131), “ inquietante, onde uma pessoa nunca sabe se está no fim de uma viagem ou em seu ponto de partida” (p. 157) –, só lhe resta seguir adiante em sua “fuga em fim” (p. 84), sua busca da “sabedoria do afastamento” (p. 219), chegando então à Ilha da Madeira. A busca de Mayol é por algo que o narrador define como um “Porto Metafísico” e que aparece às vezes representado pela lendária ilha de Atlântida – idéia com a qual Mayol acaba por identificar-se, deixando-se “levar por sua excepcional capacidade para afundar, (...) tremendo em meio a terremotos e inundações e (...) iniciando sua última descida, (...) afundando em sua própria vertigem, chegando ao país onde as coisas não têm nome e onde (...) não existe mundo, só o abismo (...)” (p. 252).

Nota: Minha Bárbara leu o livro junto comigo e fez bonitas anotações no blog dela, Vinte e Cinco Inquietações. Dois outros livros de Enrique Vila-Matas, "Bartleby e companhia" e "O mal de Montano" já foram comentados aqui no Silva horrida.