“Os livros saltavam e dançavam como pássaros assados, as asas flamejantes de penas vermelhas e amarelas.” (p. 167)
(Ray Bradbury, “Fahrenheit 451”, tradução de Cid Knipel, Ed. Globo)
A ação do romance “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury (publicado em 1953), transcorre em uma grande cidade dos Estados Unidos, sob um governo tecnototalitário às vésperas de uma guerra nuclear, o qual proíbe a leitura e a circulação de livros e emprega equipes de bombeiros exclusivamente na tarefa de incendiar bibliotecas. Elementos cruciais na composição da trama, os livros comparecem em descrições que os infundem pulsação ou vulnerabilidade, como se se tratassem de animais: “pássaros abatidos” (p. 60), “peixes deixados a secar” (p. 61) ou “um bando de ratos (...) saídos do assoalho” (p. 99) – outros exemplos nas citações do início deste post. No capítulo final, são as pessoas que, ao contrário, se transformam em livros, quase literalmente, ao assumirem as identidades de obras perdidas que estudaram e memorizaram, para transmiti-las pela oralidade a outros indivíduos e, assim, manter de algum modo a tradição letrada de nossa civilização (por exemplo, um ex-professor de política “se torna” a “República” de Platão; outro dedica-se a guardar o “Gulliver” de Swift; e assim por diante).