Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Wednesday, June 27, 2007

Tons e toques
que eu não lembrava mais
surgem e se misturam
com novas idéias musicais.

O som que sai
da caixinha de som
influencia o som
que sai da caixa de som maior.

Subitamente,
essa atmosfera escapa
e giramos em torno do nada,
sem rumo.

Continuamos procurando
o que não sabemos
por entre quadras e horas.

Calipso energia.
Só falta a cerveja.

Friday, June 22, 2007

QUINTA JORNADA

SALVADOR, BAHIA, JULHO DE 2006

o cordelista antonio vieira abre a semana do cordel, na biblioteca pública do estado da bahia. na palestra "no metal da fala: a complexidade de meu folheto popular", ouço atentamente a dica da professora jerusa pires ferreira (puc-sp): "para estudar e perceber a complexidade de um simples folheto de cordel, é necessário conhecer diversas matrizes culturais, como: as modalidades narrativas do cancioneiro medieval português, italiano, francês, etc.; o ritmo natural da língua portuguesa; componentes mitológicos do conto popular universal; a história imediata ou antiga do local onde o folheto foi criado, etc.".

ela diz que o título da palestra se inspira numa fala do cordelista joão martins de athayde, que declarou em entrevista à imprensa: "eu não invento nada, apenas ponho as coisas no metal da fala".

a professora edilene reaparece na cena com o curso "três autores da literatura de cordel na bahia", sobre cuíca de santo amaro, rodolfo coelho cavalcanti e minelvino francisco silva. algo que ela diz numas das aulas gruda em meu pensamento: "na literatura de cordel, a influência da escrita se dá de forma apenas parcial, porque as marcas da oralidade se afirmam".

dona edilene comenta a dificuldade que sente, como pesquisadora, em decidir por apenas uma única denominação para compreender fenômeno ou fenômenos que pode ou poderiam ser nomeados de formas tais como "literatura de folheto", "literatura de cordel", "literatura popular em verso" ou "literatura oral" - tendo enfim optado por "literatura de cordel", como suspensão provisória do problema conceitual.

a palestra hoje é sobre minelvino francisco silva, nascido em 1926, em olhos d'água de belém, no município de mundo novo, bahia. morou muito tempo em itabuna, bahia, onde, como poucos cordelistas, tinha tipografia própria. como muitos, o primeiro folheto com que teve contato foi o romance d'"o pavão misterioso" (josé camelo de melo rezende), fato ocorrido em 1939. o primeiro folheto que minelvino publicou foi "a enchente de miguel calmon e o destino do trem de água baixa" (jacobina, bahia, 1949). outros títulos de minelvino: "abc de lampião pelo próprio punho", "os sofrimentos de um bahiano no estado de são paulo", "carnaval no inferno", "a chegada de getúlio no céu", "a morte do presidente getúlio vargas".

a professora edilene insiste num mote de minelvino: "a marreta da morte é tão pesada que a pedreira da vida não aguenta".

imediatamente em seguida a isso começa a

SEXTA JORNADA (CODA):

acordamos outra vez e as notícias começam a chegar, compromissos e guerras, praia hoje a qualquer preço, mesmo o corpo sujeito a intempéries. uma placa no parque ambiental do manguezal do rio passa-vaca informa: "prefeitura trabalhando: recuperação das áreas verdes das margens do rio jaguaribe". vou para a pedra-palco no anfiteatro da areia e do mar, caminhos de pegadas, as ondas roçando a orla como unhas em pele alheia, nuvem, tu vem, passeando na partitura, no vento, tempo de convívio [a saga continua...]

Friday, June 15, 2007

tá no ar uma mini-entrevista minha à revista on-line Entre Aspas (na verdade, blog); tá lá também um poema marginal, que ninguém é de ferro!

Tuesday, June 12, 2007

Profissão: turista

Eu bem que podia trabalhar como jornalista de uma revista de turismo. Essa parece a forma perfeita de ganhar a vida. Mas não deve ser tão fácil quanto aparenta. São necessários alguns anos de esforço físico, paciência, sacrifícios. Pode ser que o candidato a viajante profissional tenha que encarar trilhas pedregosas e íngremes no mato, filas de espera para embarcar, atendimentos de qualidade duvidosa, refeições insalubres, ou tenha que forjar elogios falsos em páginas de jornal e revista. As recompensas virão aos poucos, em quartos de hotel, paisagens, encontros e emoções inesquecíveis.

Confesso que durante algum tempo quis me preparar para essa profissão. Tive o melhor exemplo dentro de casa. Entre os 8 e os 12 anos de idade, percorri vários estados do Brasil acompanhando meus pais, que sempre gostaram e continuam gostando de viajar. Nessas viagens, de carro (por Pernambuco, Bahia, Paraíba, Ceará, Piauí, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Alagoas) ou de avião (para São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba), comecei a desenvolver o gosto por conhecer lugares novos, pessoas diferentes e tradições culturais diversas.

A vocação estava no sangue e, depois dos 20 anos, peguei a estrada sempre que juntava algum dinheiro: Chapada Diamantina, Recife, França. A cultura e a história de cada lugar, além da diversão, é claro, foram sempre o que mais me atraiu nessas viagens. Numa guinada da vida, acabei aceitando um emprego só pela oportunidade de morar em outra cidade. Morei três anos e meio em São Paulo, que eu já conhecia de visitas breves e me assustava tanto quanto fascinava, justamente por ser tão diferente do mundo que eu conhecia até então. Durante o tempo que passei lá, minha visão de mundo precisou se adaptar à dinâmica própria de uma metrópole mundial e ganhou uma noção ampliada de horizonte de possibilidades, tanto nos aspectos pessoais quanto nos profissionais. Acredito que esse é um dos ganhos que o turismo proporciona: uma amostra de como é a vida num lugar que não é o nosso.

Agora sou um jornalista em tempo integral, a serviço de um aeroporto internacional que tem taxas de crescimento de 20% ao ano, impulsionadas principalmente pelo turismo (fonte: Infraero). Os corredores do Aeroporto de Salvador respiram turismo, nas agências e casas de câmbio do térreo, nas lojas de artesanato e moda afro do primeiro piso, nas filas diárias dos check-ins dos vôos internacionais. Esse é um turismo que ultrapassa o Centro Histórico e Sauípe, e vai muito além, pelo interior e pela costa da Bahia. Sei de muita gente que chega pelo aeroporto e, sem nem pisar na capital, vai direto pra outras praias, ilhas, baías.

Quero finalizar esse depoimento manifestando que dedico ao Recôncavo baiano um profundo respeito, típico de um turista profissional (ou profissional do turismo) por um roteiro que ainda não conhece. É o respeito de um explorador diante de um tesouro intocado. Não vejo a hora de investigar suas reentrâncias.

(Texto para a revista "Expedição")

Tuesday, June 05, 2007

As fotografias do livro "Bahia - velhas fotografias, 1858/1900" (Kosmos, 1989), organizado por Gilberto Ferrez, proporcionam imersão sinestésica na Bahia, nome pelo qual a cidade de Salvador foi conhecida até meados do século XX. O livro (204 páginas) compila registros da paisagem urbana da "urbs princeps" do Brasil no momento imediatamente anterior à modernização trazida pelos primeiros governos republicanos, que alargaram vias públicas (Corredor da Vitória; Rua Direita do Palácio, atual Rua Chile) e fizeram obras estruturais importantes (a Bahia and San Francisco Railway, o aterro do Cais das Amarras).
São muito bonitas as imagens do Porto da Barra, do Comércio, do Campo Grande e do Rio Vermelho quase em estado inaugural, ainda sem a ocupação desenfreada que, no século passado, eliminou trechos de mata, poluiu rios (Rio Vermelho, Rio das Pedrinhas) e modificou o casario popular.
Benjamin R. Mulock, Camillo Vedani, Marc Ferrez e J. Schleier são alguns dos fotógrafos estrangeiros que trabalharam na Baía de Todos os Santos na época e foram incluídos no livro. Fica difícil detalhar a riqueza de informação sobre a cidade que a obra pode oferecer se folheada com vagar. Vai abaixo um exemplo.
Guiherme Gaensly fez uma imagem dos casarões (que não existem mais, substituídos por prédios de escritório) da Rua Nova da Princesa, no Comércio, atual Rua Portugal - onde trabalhei no verão de 1999.
Além de Salvador, outras cidades do Recôncavo aparecem, como Cachoeira (por Vedani) e Santo Amaro (por Mulock) . "Bahia - velhas fotografias" tem ainda mapas, apresentação de Kátia Queirós Mattoso e o artigo "Velhas fotografias da Bahia, 1858/1900", de G. Ferrez.
Merecem nota extra as fotos das cachoeiras de Paulo Afonso (BA), no Rio São Francisco (três imagens, nas páginas 16 e 17), feitas pela comissão geológica (Hartt, Derby, Rathborn) patrocinada por Pedro II entre 1875 e 1876.