Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Tuesday, April 29, 2008

o bioma caatinga ocupa uma área de 1.037.000 quilômetros quadrados (cerca de 12% do território brasileiro), abrange 1.280 municípios em nove estados (PI, CE, RN, PB, PE, AL, SE, BA e parte de MG) e conta com 28 milhões de habitantes (16% da população do país). "Dos 500 menores IDH municipais do Brasil, 306 são de municípios do Bioma Caatinga, representando 47,5% desta faixa indesejável de exclusão social, mesmo tendo menos de 20% dos municípios" (in: "A flora do Raso da Catarina", Arthur Lima da Silva & Wbaneide Martins de Andrade, p. 81 de "As caatingas - debates sobre a ecorregião do Raso da Catarina", Editora Fonte Viva, 2007, livro-produto de um seminário realizado nos dias 27, 28 e 29 de abril de 2007, em Paulo Afonso/BA, com pesquisadores da fauna, da flora e das populações da região).


"(...) a literatura regionalista glorifica a figura do sertanejo, apropriando-se de sua linguagem e de suas idéias, acolhendo no universo intelectual o cretinismo endêmico de sua cultura." (p. 61)

"Ao incorporar os elementos da cultura sertaneja, a literatura regionalista atribui ao homem comum o poder de interpretar a realidade, conferindo uma dimensão alegórica às suas atividades cotidianas, mitificando-lhe a mentalidade vulgar, de sua linguagem às suas crendices, como se séculos de obscurantismo tivessem gerado um maior grau de compreensão do mundo." (p. 88)

"Os sertanejos são condenados a viver sem um motivo. É esta a mensagem que a verdadeira literatura precisa dar. (...) A verdadeira literatura demonstra que o sertanejo não sabe nada, não muda nada, não aprende nada, não entende nada, não vale nada. A verdadeira literatura destrói as veleidades do homem acerca de si." (p. 90)

(Diogo Mainardi, "Polígono das secas")

espécie de meta-romance-pseudo-ensaio, "polígono das secas" (1995), de diogo mainardi, investe contra a literatura regionalista nordestina, pondo em cena um enigmático personagem, o "untor", que "é como o autor" (p. 118) e que percorre o semi-árido disseminando a morte de retirantes, coronéis, jagunços, vaqueiros, violeiros, cangaceiros, etc., e subvertendo tradições e temas recorrentes do universo sertanejo

Saturday, April 26, 2008

na terça-feira, 29 de abril, completam-se 28 anos da morte do diretor de cinema Alfred Hitchcock (1889-1980). em homenagem a ele, a edição de hoje do caderno "Cultural" do jornal A Tarde publicou, ilustrado por Gentil, o meu poema a seguir:

"Os pássaros"

Aos mestres Alfred Hitchcock e André Setaro
Gaivotas raivosas,
agressivas, atacaram
uma cidade indefesa
à beira da Baía.

Os animais, ensandecidos,
tomaram a paz da paisagem
na vila e no balneário,
tal ameaça ambiental.

Cada criatura aeromarítima
arremessava-se, em rápida descida,
como uma ave de rapina
que mira a presa e cai em cima.

Uma senhorita rica
teve a testa atingida
pelo golpe de um bico agudo,
que deixou feia ferida.

Outras mulheres, e crianças,
também sofreram bicadas
certeiras na cabeça,
tiveram as roupas rasgadas.

Uma nuvem de passarinhos
choveu dentro da sala,
derramando-se, chaminé
abaixo, com grande estrago.

Um velho foi encontrado
morto, onde morava,
com os dois olhos furados.
Xícaras quebradas!

Tais fatos disseminavam
transtorno, medo e desespero,
abalando a tranquilidade
daquela comunidade.

Os corvos, um por um,
vieram se empoleirar
(como um bando de morcegos)
nos brinquedos do colégio.

Os pássaros de mau presságio
(vento, fumaça ou nevoeiro),
acabaram com o sossego
daquela gente ordeira.

Corvos pretos, alvas gaivotas,
aves de várias espécies,
aparentemente nervosos.
Fenômeno inexplicável!

Suas vozes cruzavam os ares
com o som de ferragens rangentes,
apavoravam os moradores
desencadeando o suspense.

Uma gaivota desferiu
um golpe veloz e certeiro
no rosto do frentista
no posto de gasolina.

Socorro, gritou alguém do povo,
na tentativa de fuga.
O caos cobriu a rua,
sangue, pânico, fogo!

Os corvos, quem pensam que são?
O que se passa com as gaivotas?
Para que perturbam a ordem?
Por que causam confusão?

Depois de sete dias
de ofensivas sobre o lugar,
já eram muitas as vítimas,
algumas com risco de vida.

Só um par de periquitos
permanecia quieto,
imóvel, no meio do desvario,
confabulando em silêncio.

Apenas aqueles, mulher e homem,
mantinham o sangue frio
e estavam sérios e atentos
no mais louco Paraíso.

Wladimir Cazé © 2008

Friday, April 25, 2008

"Criei-me nos mangues lamacentos do Capibaribe cujas águas, fluindo diante dos meus olhos ávidos de criança, pareciam estar sempre a contar-me uma longa história. O romance das longas aventuras de suas águas descendo pelas diferentes regiões do Nordeste: pelas terras cinzentas do sertão seco, onde nasceu meu pai e de onde emigrou na seca de 1877 com toda a família, e pelas terras verdes dos canaviais da zona da mata, onde nasceu minha mãe, filha de senhor de engenho. Esta era a história que me sussurrava o rio com a linguagem doce de suas águas passando assustadas pelo mar de cinza do sertão, caudalosas pelo mar verde dos canaviais infindáveis e remansosas pelo mar de lama dos mangues, até cair nos braços do mar de mar."

(Josué de Castro, "Homens e caranguejos", 2ª edição, p. 16)



"homens e caranguejos" (1967) é o único livro de ficção do médico e geógrafo pernambucano josué de castro (1908-1973) e esteve fora de catálogo por décadas até o lançamento desta segunda edição pela editora civilização brasileira (2005). com uma prosa leve, vívida, bem-humorada e até didática, narra o cotidiano dos moradores de uma favela à beira de um mangue no recife.
"(...) talvez esse lugar para onde iam fosse melhor que os outros onde tinham estado. (...) Chegariam a uma terra distante, esqueceriam a catinga onde havia montes baixos, cascalhos, rios secos, espinho, urubus, bichos morrendo, gente morrendo. Não voltariam nunca mais (...). Fixar-se-iam muito longe, adotariam costumes diferentes. (...) andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. (...) Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. (...)"

(Graciliano Ramos, "Vidas secas", 57ª edição, ps. 121-126)

publicado há exatos 70 anos, o breve romance (ou conjunto de contos semi-independentes) "vidas secas" é uma lição de estilo e rigor formal. li-o pela primeira vez no começo dos anos 1990 e estive relendo-o na semana passada, captando suas ressonâncias temáticas (obviamente) e estruturais (fuga-permanência-fuga) no meu (a-ham!!...) romance in progress. o livro é tão bom que terminei de ler e recomecei no mesmo instante.

Tuesday, April 22, 2008

nesta quarta-feira, 24 de abril, das 19h às 21h, acontece em Porto Alegre (RS), na Casa de Cultura Mario Quintana, o lançamento da 1ª edição da revista-pôster Teia de Poesia, que conta com um poema conhecido dos leitores deste blog (meu "Barata", publicado em post do dia 28 de janeiro). o grupo Teia de Poesia é formado por Diego Petrarca, Lorenzo Ribas e Telma Scherer (autora do belo livro de poemas "desconjunto", publicado em 2000) e realiza recitais desde 2002. Ao todo, 10 poetas participam da 1ª edição da revista-pôster, entre gaúchos e paulistanos (Berimba de Jesus, Eduardo Lacerda) e etc.

Thursday, April 10, 2008

a poeta gaúcha angélica freitas estreou em livro no ano passado, com "rilke shake" (cosac naify), pequeno volume que alterna três séries de poemas com sabor de mimeógrafo: uma primeira se volta em verve satírica para o cânone do modernismo (mallarmé, pound, marianne moore); uma segunda enfoca uma infância quase bucólica em contato com os signos do consumo ("um fusca / vermelho bala soft", p. 45); e uma terceira, na qual ganha voz uma jovem adultidade estilhaçada no panorama internacionalizado dos dias de hoje, manifesta em ecos de palavras estrangeiras (inglês, francês, espanhol, nomes próprios em húngaro, russo, polonês) e num eu-lírico nômade e iconoclasta - que chega a metamorfosear a própria autora em uma artéria urbana ("alça vôo a aventura na avenida angélica", p. 55), a quase dissipar-se "entre o canteiro central da paulista e a vista do vão do masp" (p. 55)

Friday, April 04, 2008

"Fiquei irritado hoje porque meu original não está tão bom quanto deveria, mas esse é um sentido de perfeição olímpico, não humano. Levaria outro ano, talvez mais, para 'aperfeiçoar' (...), e isso não faz sentido (na verdade, não ficaria melhor, segundo padrões de trabalho humanos). Allen Ginsberg insiste que eu o 'aperfeiçoe', mas ele é um poeta, e um escritor de versos é assim. O romancista sempre tem outra grande história para escrever, não tem tempo para lapidar suas histórias velhas, não é um decorador, mas um construtor. Além disso, percebo que pelo menos a minha literatura, apesar de imperfeita, é original no sentido original dessa palavra... é meu pensamento, nada apanhado das terminologias do tempo, minhas próprias palavras, meu próprio trabalho estranho." (Jack Kerouac, diário pessoal, sexta-feira, 18 de junho de 1948)


"Diários de Jack Kerouac, 1947-1954" (tradução de Edmundo Barreiros, 360 p.) reúne registros pessoais do escritor entre seus 25 e 32 anos de idade, período em que, sem emprego fixo, morando com a mãe e dedicado quase exclusivamente à literatura, escreveu seus primeiros romances, "The town and the city" (cujo manuscrito alcançou 1.100 páginas datilografadas!!) e "On the road", entre noitadas colossais em nova york e viagens de costa a costa pelos Estados Unidos