Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Monday, February 25, 2008

com o título de "Pequeno tratado sobre o corpo", foi publicada minha estréia no caderno "Cultural" do jornal baiano "A Tarde" (de 23/02/2008). trata-se de uma resenha do livro "Trabalhos do corpo e outros poemas físicos", de Sandro Ornellas, que teve origem em um post de 2 meses atrás, aproveitado como primeiro parágrafo do novo texto. publico abaixo o restante do texto original, ainda com os trechos (em negrito) limados da edição final:

"(...) O poeta mergulha em territórios desconhecidos, abandonando a pressa e a indecisão do primeiro trabalho, publicado há dez anos, "Simulações" (1998), livro recheado de percepções urbanas relativamente satisfeitas com "o prazer do clichê" (p. 59 de "Simulações"): história em quadrinhos, cinema, vídeo, outdoors de publicidade. Em seu contato inicial com a realidade sobrenatural da poesia, Ornellas não chegava a transfigurar uma visão de mundo em objetos verbais bem-acabados.
No segundo livro, o salto qualitativo é imensurável. Sua literatura se volta para universos ainda pouco explorados pela poesia brasileira (o grafite, a tatuagem, as comunicações em tempo real, a hiperpresença por meio da conectabilidade móvel), abordando, em tons reflexivos e versos mais alongados do que os do livro de estréia, a mitologia do corpo contemporâneo, com seus piercings e cânceres, suas cirurgias plásticas e dietas, suas transgenias e próteses. Essa investigação lírica se baseia numa estética literalmente empírica e presenteia o leitor com brilhantes meditações sobre as pequenas insurgências contra o cotidiano praticadas por todos, revelando certo teor político.
O corpo é "carne desgovernada" (p. 11), "espelho do fora" (p. 11), "breve sonho da matéria", p. 12). O poeta anuncia: "reergo as dobras, os ossos, os canais circulatórios / as glândulas, as fibras musculares que sustentam o eu mínimo" (P. 15). Ele luta para "que o poema continue metonímia da pele" (p. 15) e busca, por intermédio de um "corpo / que a tudo se acopla" (p. 15), "uma escrita a polir um estilo de viver / a domar as formas do escrever / do corpo" (p. 22), pois "em terra de mudos / mais vivo é quem se cola às coisas como crosta / palavra de carne, sangue e pêlos" (P. 20).
Sandro Ornellas compõe o recém-formado quarteto literário beat baiano 4 Beats, que anuncia uma miniturnê de lançamento dos livros de seus autores. Além de "Trabalhos do corpo e outros poemas físicos", estão sendo apresentados ao público "O amor é um coisa feia", de Gustavo Rios (Sette Letras, 2007) e "Corações blues e serpentinas", de Vivaldo Lima Trindade (Arte Paubrasil, 2007). Os três autores farão eventos promocionais de suas obras em Salvador (15 de março, às 18h, no pátio do ICBA, Avenida Corredor da Vitória), em Feira de Santana (19 de março, Anfiteatro Módulo II da UEFS, durante todo o dia) e Porto Alegre/RS (de 27 a 29 de março, durante a Festipoa Literária). O quarto componente do 4 Beats é o poeta Lupeu Lacerda, da vizinha da cidade baiana de Juazeiro/BA, onde, em 11 de janeiro, o grupo literário realizou o evento inaugural da miniturnê.

Friday, February 22, 2008

agora que se aproxima a contagem regressiva para o fim deste precioso tempo livre, é necessária uma viagem que preencha meus dias com estímulos diferentes, pois mesmo o ócio já sucumbiu a uma certa rotina, sequência de gestos mecânicos: acordar tarde, descer para o café da manhã no mercado próximo, rápida leitura do jornal "a tarde", depois praia (...), desta forma os dias foram se consumindo, entre suores e preguiça. não trabalhei furiosamente no meu novo livro, como tinha imaginado, fiz três ou quatro anotações apenas, foi o bastante, a batalha continuará ao longo do ano. daqui a dois dias irei ao rio de janeiro, depois são paulo. percebo que nas últimas semanas estive tentando deixar-me ir à deriva, sem tanto apego à rota traçada previamente, o programa de leituras frustrado. foi uma pausa no afinco com que costumo me empenhar em literatura, um intervalo que enriquecerá o momento de meu retorno à ativa com a impressão de um primeiro contato após a perda do hábito. noto isso ao redigir este diário de férias no caderno de improvisos e também ao fazer curtas anotações para o livro novo e reabrir o arquivo de computador para inserir mudanças ao texto. a desenvoltura que transmito me espanta. e não se trata de um momento especial de inspiração para escrever, pois me sinto inspirado a todo instante se parar para pensar, mesmo que só por alguns segundos, em literatura, e mesmo que não venha a escrever sequer uma linha, o que acontece, aliás, a maior parte do tempo, mas trata-se, ao contrário, de uma verve permanente, um estado de ânimo que apenas alterna períodos de exaltação com períodos de contemplação, nunca eu abandonando a pertença à palavra escrita ou falada.

Wednesday, February 13, 2008

"há diferenças entre diários, agendas e cadernetas, exatamente como há diferenças entre crônicas e memórias e viagens e testemunhos, entre meia-vida e fatia-de-vida e vidas-a-tempo integral" - escreve william gass, em artigo do caderno "mais!" da folha de são paulo de 21 de agosto de 1994. encontrei a citação numa nota de rodapé acoplada (páginas 66 e 67) ao artigo "jorge luis borges e a obrigação de esquecer", de charles kiefer, que integra a coletânea "literatura confessional: autobiografia e ficcionalidade" (mercado aberto, porto alegre, 1997). a nota de rodapé prossegue na citação do texto de william gass: "a agenda tem que ser anotada dia a dia (...). o estilo da agenda é 'staccato', telegráfico. o diário acompanha o andamento do calendário, mas seu alcance é mais amplo, mais circunspecto e meditativo. os fatos diminuem de importância e são substituídos por emoções, devaneios, pensamentos. (...) o diário pede frases, embora essas frases não precisem ser forçosamente bem-acabadas. (...) na caderneta de anotações rompemos com a cronologia. (...) a caderneta é um laboratório, um arquivo."

Saturday, February 09, 2008














é com um ar ritualístico que vanessa buffone rememora e revigora os lugares a que chamou de lar, na lírica literalmente intimista de seu primeiro livro, "as casas onde eu morei" (2005), residências da mulher e poeta dissecadas em série de poemas que se articulam em narrativa

Thursday, February 07, 2008

da biografia de kafka escrita por gérard-georges lemaire (vol. 558 da coleção l & pm pocket) extraí trechos de cartas e diários em que o escritor tcheco fala do ato de criar e que exercem certo fascínio sobre mim:

"às vezes, creio quase ouvir a pedra que me
mói, literalmente, entre a literatura e o trabalho
"
(p. 99-100)

"minhas dúvidas cercam cada palavra, eu as vejo antes das palavras, ora!, a palavra, eu não a vejo absolutamente, eu a invento" (p. 115)

"meu corpo inteiro se põe de guarda a cada palavra; cada palavra, antes que eu a escreva, começa a olhar para todos os lados à sua volta; as frases literalmente se quebram sob minha pena, vejo o que há ali dentro
e imediatamente sou obrigado a parar
" (p. 131)

"no interior de cada palavra existem transições que, antes de serem
postas por escrito, devem ficar em suspenso. Quando (...) me sento para escrever a frase (...), só vejo fragmentos diante dos olhos, não distingo nada (...)
" (p. 151)