Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Friday, November 20, 2009


Dentro de poucos dias, viajo pela primeira vez para a Colômbia, para participar do 13º Festival Internacional de Poesía en Cartagena, que acontece de 1º a 5 de dezembro na cidade de Cartagena de Indias, às margens do Mar do Caribe. Estarão por lá poetas de El Salvador, Uruguai, Chile, Costa Rica, Porto Rico, Haiti, Venezuela, Itália, Japão, Romênia e Noruega, além do compay Antonio Barreto. A programação terá recitais em teatros, escolas, universidades, bibliotecas, parques e centros culturais. Também passarei uns dias em Bogotá.

Nas revistas de turismo do Brasil, há atualmente um modismo pela Colômbia: desde o mês passado, quatro revistas do gênero fizeram chamadas de capa citando o país (nenhuma, porém, como matéria principal): a "Viaje Mais" ("Colômbia: Das montanhas ao Caribe, um país que surpreende", na edição de novembro), a “Viajar pelo Mundo” (“50 motivos para se encantar pela Colômbia”; novembro), a "Viagem e Turismo" ("Colômbia: A grande pedida para queimar suas milhas"; novembro), e a "Próxima Viagem" ("La noche em Bogotá: 168 horas pelas baladas, cafeterias e museus da cidade colombiana"; outubro).

(Evidentemente, essa onda não é espontânea, mas resultado da vigorosa campanha de promoção desenvolvida pelo Proexport Colombia para desfazer a imagem de lugar perigoso e violento e para divulgar o potencial turístico do país. O slogan da campanha é “Colômbia: o perigo é você querer ficar”).

A reportagem da "
Viagem e Turismo" (“A segunda chance, ps. 100-109) é pouco inspirada. A “Viajar pelo Mundo” produziu apenas um miniguia (não assinado), com tópicos de destaque. A boa reportagem de
Maurício Moraes para a “Viaje Mais" (“Colômbia: destino para todas estações”) indica a Biblioteca Luís Angel Arango e a Biblioteca Nacional, ambas em Bogotá. Também gostei de “Bogotá superchevere”, reportagem de Ronaldo Bressane para a "Próxima Viagem", única que traz a importante instrução de como se localizar pelas ruas numeradas da capital: “De cima para baixo, de leste a oeste, estão as carreras; do sul ao norte, da direita para a esquerda, as calles” (p. 74). Bressane sugere três leituras para acompanhar passeios pela metrópole andina,“a revista Semana, o tablóide cultural Arcadia ou a excelente Malpensante” (p. 76), que com certeza serão minhas primeiras aquisições ao desembarcar.

Monday, November 16, 2009

Descobrindo o mundo e suas bibliotecas

Devo à Biblioteca Municipal de Petrolina, no interior de Pernambuco, o fato de ter me apaixonado por literatura ainda na infância. Graças a meu pai e minha mãe, livros sempre fizeram parte de meu mundo: nossa casa tinha volumes espalhados por todos os lados e eu sempre tive acesso a obras infantis ilustradas e histórias em quadrinhos. Levado por pesquisas e trabalhos escolares, passei, em meados dos anos 80, a freqüentar a biblioteca pública da cidade onde nasci e daí em diante fui definitivamente capturado pela mágica e borgiana teia de palavras que se estende até o infinito... Enciclopédias, lendas indígenas e as aventuras criadas por Júlio Verne eram minhas preferências nesse tempo.


Foi nessa biblioteca que, já ousando iniciar-me nos tortuosos caminhos da poesia, cometi meu primeiro e único roubo de um livro: um dicionário de rimas, que, num descuido dos funcionários do setor de livros adultos, atirei pela janela e fui buscar no meio do mato que ficava atrás do prédio. (Logo depois, ao ensaiar alguns versos, a facilidade artificial das listas de rimas do dicionário me incomodou e devolvi o volume à prateleira da biblioteca, decidido a buscar minhas rimas por conta própria, recorrendo à memória e à intuição.)


A segunda biblioteca que freqüentei foi em Salvador, durante o terceiro ano colegial, no antigo Colégio Alfred Nobel. Era apenas uma modesta biblioteca escolar, mas que contribuiu sobremaneira com a minha formação literária por conter (o que hoje me parece surpreendente) alguns livros com a poesia marginal de Leminski, Waly e Chacal, entre outros, que, junto com as melodias impecáveis de Cecília Meireles, me fizeram negligenciar os estudos para o vestibular.


Em 1993, fui parar na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, ao mesmo tempo em que também começava a desbravar o centro da cidade de Salvador. Antes de passar a freqüentar a “Biblioteca dos Barris”, meu circuito cotidiano era muito restrito, indo somente do Candeal (onde morava) ao Itaigara (onde estudava). Daí em diante, meus horizontes se alargaram radicalmente. No setor circulante da biblioteca, mergulhei em ficção brasileira pós-moderna, com Rubem Fonseca, Sérgio Sant’anna, Moacyr Scliar, João Gilberto Noll e muitos outros. Em plena adolescência, a “Biblioteca dos Barris” representou para mim tanto a descoberta da literatura brasileira contemporânea quanto a descoberta do centro da grande cidade para onde me mudara no começo da década e que ainda não conhecia propriamente.


Dentre todas as leituras que fiz nesse período, a que mais marcou minha trajetória de leitor e aspirante a escritor foi certamente “Cara-de-Bronze”, de Guimarães Rosa. Esse texto, que pertence ao livro “No Urubuquaquá, no Pinhém”, é uma estranha mescla de conto, poema, roteiro de cinema e experimentalismo sem concessões. É nele que aparece o famoso neologismo multi-idiomático “moimeichego” (junção das palavras “moi” + “me” + “ich” + “ego”, correspondentes ao pronome “eu” em francês, inglês/espanhol, alemão e latim).


“Cara-de-Bronze” conta a história de um velho fazendeiro que dá ordens a um de seus vaqueiros para que percorra os sertões de Minas Gerais em busca do misterioso “quem das coisas”, algo que o narrador jamais explica o que seja, mas que implicitamente compreendemos: “O que não se vê de propósito e fica dos lados do rumo. Tudo o que acontece miudim, momenteiro. Ou o que vive por si (...) Uma virtudinha espritada, que traspassa o pensamento da gente – atravessa a idéia (...) E bonitas desordens, que dão alegria sem razão e tristezas sem necessidade. (...) Não-entender, não-entender (...) o quem das coisas! (...) o que no comum não se vê: essas coisas de que ninguém faz conta... (...) Tirar a cabeça, nem que seja por uns momentos: tirar a cabeça, para fora do dôido rojão das coisas proveitosas.” (Guimarães Rosa, “Cara-de-Bronze”)


Todas essas definições ou descrições se aplicam à própria poesia, o que torna “Cara-de-Bronze” uma espécie de declaração de princípios rosiana – com direito a um conselho quase didático: “(...) ver, ouvir e sentir. E escolher (...)”. Essa leitura me deixou perplexo e apontou rumos que persigo até hoje em minha escrita pessoal. O apagamento das fronteiras estilísticas entre conto, poema e outras formais textuais, manifestado por “Cara-de-Bronze”, é um traço presente em tudo o que tenho escrito. Até mesmo meu trabalho com literatura de cordel é fruto de um desejo de combinar poesia e narrativa no mesmo texto.


Anos depois, tive a satisfação de descobrir uma biblioteca pública no novo bairro para onde tinha me mudado: a Biblioteca Thales de Azevedo, no Costa Azul. Lá deparei-me com o indispensável “Retrato do Brasil – Ensaio sobre a tristeza brasileira”, de Paulo Prado, um breve estudo de 1928 sobre a formação da identidade e o perfil psicológico do nosso povo. Depois vieram outras bibliotecas, em outras cidades, pois visitas a bibliotecas são sempre um item indispensável em meus roteiros de turista nas viagens que eventualmente tenho a oportunidade de fazer. Para um leitor compulsivo, viajar também é passar uma ou duas tardes explorando os acervos da Biblioteca Nacional e do Gabinete Portuguez de Leitura (no Rio de Janeiro), da Biblioteca Sergio Milliet do Centro Cultural Vergueiro (São Paulo), da Biblioteca Municipal e Central de Lisboa, da Biblioteca Municipal Camões (Lisboa), da sofisticada Biblioteca Municipal Almeida Garrett (n’O Porto) ou da labiríntica New York Public Library.


Hoje já tenho minha própria biblioteca particular, com uma quantidade considerável de livros que ainda não li e que venho percorrendo aos poucos. A correria da vida cotidiana e as distâncias urbanas (trabalho no aeroporto) não mais permitem que eu freqüente a “Biblioteca dos Barris” com a mesma assiduidade que há 10 anos. Mas tenho um grande motivo para ainda freqüentar a “Biblioteca dos Barris” esporadicamente: o raríssimo romance “Riverão Sussuarana” (Record, 1977), de Glauber Rocha, do qual há um exemplar num setor da biblioteca onde os livros só podem ser consultados no próprio local. Sempre que posso, vou lá, nas manhãs de sábado, para ler mais algumas páginas dessa que é a única obra de ficção publicada por Glauber (e que, tal como “Cara-de-Bronze”, também é um texto fronteiriço, com elementos de romance, depoimento autobiográfico, roteiro de cinema e experimentações variadas). O livro (infelizmente) nunca foi reeditado e o exemplar da “Biblioteca dos Barris” deve ser um dos poucos (se não for o único) em um acervo aberto ao público, em toda a Bahia.


Dicas de leitura:


No Urubuquaquá, no Pinhém”, de João Guimarães Rosa (Nova Fronteira)
Riverão Sussuarana”, de Glauber Rocha (Record, 1977)


Texto encomendado, há alguns meses, por Mayrant Gallo para uma publicação que acabou não vingando

Monday, November 09, 2009

"No bairro Jardim da Penha, a ocupação residencial tem início com a construção - pela iniciativa do poder público e do setor privado - de conjuntos habitacionais de três pavimentos durante a década de 1970. (...) Esses conjuntos habitacionais foram construídos com o objetivo de atender às necessidades de moradia da população de baixo poder aquisitivo. 'Mas, em função da implantação de serviços de infra-estrutura urbana e localização de determinados equipamentos, a região alcançou índices de valorização de tal ordem que não permitiu sua apropriação pela população à qual o programa visava contemplar' (Mendonça, 1985, p. 40)."

(Eduardo Rodrigues Gomes, "A geografia da verticalização litorânea em Vitória: o bairro Praia do Canto", GSA/Prefeitura Municipal de Vitória, 2009, p. 65)

"Em Jardim da Penha, a verticalização das construções encontrou forte resistência por parte da Associação de Moradores (AMJP), que tentaram - e conseguiram - manter (através de uma forte mobilização) o gabarito, para no máximo quatro pavimentos no interior do bairro (...), liberando o gabarito somente para sua orla."

(Eduardo Rodrigues Gomes, id., p. 67)


foto do Jardim da Penha: Edson Reis (clique na imagem para ampliá-la: no alto, à direita, o Aeroporto de Vitória; no alto, à esquerda, o campus da Universidade Federal do Espírito Santo; na lateral direita, a praia de Camburi)

a dissertação de mestrado em geografia de Eduardo Rodrigues Gomes, defendida em 2004, foi lançada em livro há alguns meses. o trabalho inventaria as principais transformações do espaço urbano em Vitória ao longo do século passado (pontes, aterros, etc.), destacando o processo de verticalização das construções residenciais, inicialmente no centro da cidade e, nas últimas quatro décadas, na parte norte-leste do município, situada no litoral. especificamente com relação à Praia do Canto - um dos bairros mais valorizados de Vitória (projetado com o nome de "Novo Arrabalde", em 1896, e executado a partir dos anos 1920) -, o estudo revela como o marketing imobiliário atuou na construção do espaço urbano, favorecendo-se da proximidade do mar para a comercialização de apartamentos residenciais em prédios cada vez mais altos (ao contrário do que houve no Jardim da Penha).

nota: de acordo com dados do IBGE (do Censo 2000) publicados em tabela na página 22, o Jardim da Penha é o bairro mais populoso da capital capixaba, com 24.623 habitantes.

pós-escrito em 21 de dezembro: na página da Prefeitura de Vitória há um texto com mais algumas informações sobre a história do Jardim da Penha (por exemplo: "A Empresa capixaba de Engenharia e Comércio idealizou a área inspirada no traçado da cidade de Belo Horizonte, considerada, até então, modelo de modernidade. (...) A região da Adalberto Simão Nader até o Canal de Camburi foi desenhada em largas avenidas diagonais, formando 13 quadras.").

Wednesday, November 04, 2009



o livro mais comentado e um dos mais vendidos por estas bandas atualmente intitula-se "Espírito Santo" (Objetiva, 2009). escrito por Luiz Eduardo Soares, Carlos Eduardo Ribeiro Lemos (juiz) e Rodney Rocha Miranda (secretário estadual de segurança pública), o livro relata, com base em documentos oficiais mas de forma romanceada, a história recente (que teve atuação destacada dos três autores) do combate ao crime organizado no estado que chegou a ser conhecido como "território livre da corrupção e da violência" (p. 179). chamou-me a atenção a ficha catalográfica (p. 235), que classifica a obra como de ficção: "1. Juízes - Brasil - Ficção. 2. Crime organizado - Investigação - Espírito Santo - Ficção. 3. Ficção brasileira." a ênfase no aspecto ficcional da narrativa parece querer isentar os autores de eventuais processos por difamação (réus que até agora ainda não foram julgados aparecem com nomes modificados), enquanto as citações de relatórios, depoimentos, ofícios, etc. garantem a credibilidade do relato. assim, o livro se situa prudentemente entre os fatos e sua interpretação.