Tuesday, April 29, 2008
(Diogo Mainardi, "Polígono das secas")
espécie de meta-romance-pseudo-ensaio, "polígono das secas" (1995), de diogo mainardi, investe contra a literatura regionalista nordestina, pondo em cena um enigmático personagem, o "untor", que "é como o autor" (p. 118) e que percorre o semi-árido disseminando a morte de retirantes, coronéis, jagunços, vaqueiros, violeiros, cangaceiros, etc., e subvertendo tradições e temas recorrentes do universo sertanejo
Saturday, April 26, 2008
"Os pássaros"
Aos mestres Alfred Hitchcock e André Setaro
agressivas, atacaram
uma cidade indefesa
à beira da Baía.
Os animais, ensandecidos,
tomaram a paz da paisagem
na vila e no balneário,
tal ameaça ambiental.
Cada criatura aeromarítima
arremessava-se, em rápida descida,
como uma ave de rapina
que mira a presa e cai em cima.
Uma senhorita rica
teve a testa atingida
pelo golpe de um bico agudo,
que deixou feia ferida.
Outras mulheres, e crianças,
também sofreram bicadas
certeiras na cabeça,
tiveram as roupas rasgadas.
Uma nuvem de passarinhos
choveu dentro da sala,
derramando-se, chaminé
abaixo, com grande estrago.
Um velho foi encontrado
morto, onde morava,
com os dois olhos furados.
Xícaras quebradas!
Tais fatos disseminavam
transtorno, medo e desespero,
abalando a tranquilidade
daquela comunidade.
Os corvos, um por um,
vieram se empoleirar
(como um bando de morcegos)
nos brinquedos do colégio.
Os pássaros de mau presságio
(vento, fumaça ou nevoeiro),
acabaram com o sossego
daquela gente ordeira.
Corvos pretos, alvas gaivotas,
aves de várias espécies,
aparentemente nervosos.
Fenômeno inexplicável!
Suas vozes cruzavam os ares
com o som de ferragens rangentes,
apavoravam os moradores
desencadeando o suspense.
Uma gaivota desferiu
um golpe veloz e certeiro
no rosto do frentista
no posto de gasolina.
Socorro, gritou alguém do povo,
na tentativa de fuga.
O caos cobriu a rua,
sangue, pânico, fogo!
Os corvos, quem pensam que são?
O que se passa com as gaivotas?
Para que perturbam a ordem?
Por que causam confusão?
Depois de sete dias
de ofensivas sobre o lugar,
já eram muitas as vítimas,
algumas com risco de vida.
Só um par de periquitos
permanecia quieto,
imóvel, no meio do desvario,
confabulando em silêncio.
Apenas aqueles, mulher e homem,
mantinham o sangue frio
e estavam sérios e atentos
no mais louco Paraíso.
Wladimir Cazé © 2008
Friday, April 25, 2008
(Josué de Castro, "Homens e caranguejos", 2ª edição, p. 16)
"homens e caranguejos" (1967) é o único livro de ficção do médico e geógrafo pernambucano josué de castro (1908-1973) e esteve fora de catálogo por décadas até o lançamento desta segunda edição pela editora civilização brasileira (2005). com uma prosa leve, vívida, bem-humorada e até didática, narra o cotidiano dos moradores de uma favela à beira de um mangue no recife.
(Graciliano Ramos, "Vidas secas", 57ª edição, ps. 121-126)
publicado há exatos 70 anos, o breve romance (ou conjunto de contos semi-independentes) "vidas secas" é uma lição de estilo e rigor formal. li-o pela primeira vez no começo dos anos 1990 e estive relendo-o na semana passada, captando suas ressonâncias temáticas (obviamente) e estruturais (fuga-permanência-fuga) no meu (a-ham!!...) romance in progress. o livro é tão bom que terminei de ler e recomecei no mesmo instante.