Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Friday, December 30, 2005

Encômio à deusa-balada

mistura dia e noite
manteiga no pão
pastel de palmito
cerveja em latinha
queijo provolone
cigarro pro pensamento
feijoada arroz farofa
cachaça não-planejada
um retrato 3 x 4
um cheque pré-datado
um cinzeiro fumegante
uma brecha na agenda de compromissos
um posto 24 horas
uma fogueira invisível
e terás um subuniverso aquático suscetível a teu domínio!
praza aos céus, senhora,
que as luzes se mantenham te banhando a pele com cores líquidas
que o vapor cancerígeno enxarque tuas vestes e teus cabelos, marca odorífica do espaço lotado de arsênico carbônico
que as portarias te sejam sempre francas e as comandas, fielmente preenchidas com o fomento sensorial que consumires
que as filas dos banheiros te sejam breves, e, em não o sendo, que propiciem a graça de frases de efeito, cócegas no céu-da-boca da noite
que bela e quente seja a madrugada, mandíbula agarrada a tua carne tenra
e nenhum piercing ou tatuagem te ofusque, ó nêga, e, caso isso aconteça, que seja sem ofensa ao brilho de tua presença
que drogas várias te sejam ofertadas e dêem acesso a provisórios édens
que as festas te arrastem de mesa em mesa a bairros desconhecidos flyers gigantes canudos retorcidos terremotos nos postes intempéries no asfalto altares de garrafas vazias maços deturpados cardápios revigorantes automóveis nuvens de emissões poluentes faróis reproduções de van gogh moda de almofada sucesso de sofá atenuando a solidão solidão solidão rodízios de pizza neons bizarros da rua augusta
que a pista esteja sempre envenenada quando pisares o chão de fórmica ou carpete ou cimento ou aço escovado ou mármore ou madeira
que a pista esteja sempre desinterditada para a tua sacolejante passagem
que a pista esteja sempre em condições anormais de temperatura e pressão quando rodopiares no meio do cardume humano admirado
que o som esteja sempre contigo
que a balada seja tua morada

Thursday, December 29, 2005

em vão arremessado ao norte por uma fêmea, zoada no juízo, no radar incerteza, chuva de granito, a configuração bruscamente abalada, a gata-catinga palmejando terreno arriscado, acenando com cauda-harpão mortal cujo toque mais leve induz a uma redução do senso de direção, a novos cortes reconectores, a uma inesperabilidade instantânea, a uma antiestatística, a exercerem-se a penetrabilidade do mundo, a elasticidade do tempo, a plasticidade dos sentidos [aprendizado pouco empregado], banho hidrocor, texturas interiores, paralisia do prazer

Wednesday, December 28, 2005

calçadão de praia de megalópole, concerto de formigueiro com estática de rádio ao fundo, transmissão ao vivo de jogo de futebol, anúncio de resultado de concurso de dj, a bagaça da praça onde todo mundo se encontra, caravanas de migrantes confluentes até o quadrilátero cabuloso, fila de consumidores de cerveja cavando existência em feira étnica; 'tava eu travado quando falei com você no celular, de um boteco entre tantos, a barra de sua calça espelhando labaredas fraturadas, ondas de ruído desajustadas, falho é sempre cambiar ambiente

Tuesday, December 27, 2005

beldades-aço minas-são-paulo, semeai granito na chuva cinza e excitai uma jazida arquejante de pó-de-estrela a se avolumar em centelhas, cachos de relâmpagos, centenas de hastes sobrepairantes, flores de rosa arremessadas em flamejações escarlates, sessão de fogos-de-artifício destemida destacando membros ao assalto em armada contra a serra de piratininga, os feixes de luz colorida dispostos em arestas, buquês de pétalas-pérolas no céu feio, jatos de mijo amarelando a paisagem celeste-escura, latejos de raio laser lacerando olhos

Thursday, December 22, 2005

6h: esbarro em juliana no funhouse
6h30: juliana anuncia que vai pro milo garage
6h35: acaba a festa no funhouse
6h45: cai a bateria do meu celular

Monday, December 12, 2005

sons mariana ouvirá
nascer de seu pensamento,
mar em constante cismar,
cujas ondas são canções,

lira greco-paulistana,
brisa, maresia, areia
soprando contra o concreto
da vida cotidiana;

sons mariana fará
zunir pelo céu cinzento,
vento a perpassar a pedra,
a maré, mar colocando

sal no ar em movimento,
compondo canto coral,
com que ela tirará
poesia da rotina.

Friday, December 09, 2005

foi negociada uma anistia para que eu pudesse entrar no outs. de outro modo, a deriva teria se acentuado, eis que já vínhamos de sublevações sucessivas do status moral, vítimas de indeterminismo pós-crepúsculo a nos arrastar por ruas esguias até a esquina para onde migrara meses antes a legião de notívagos anonimamente familiares que nos acolhia indiferente, a esquina épica aglutinadora dos clãs nômades da madrugada, a esquina-epicentro da sociedade fantasiosa das calças de brechó e dos penteados-padrão, a máquina-esquina imperial de acordes metálicos dissonantes e vozes pulverizando-se em lamentos

Monday, December 05, 2005

estrofes de um cordel que estou escrevendo foram publicadas na edição deste mês da revista de psicologia, comunicação e cultura "Psyu", 8.000 exemplares à venda nas bancas de são paulo

Wednesday, November 23, 2005

[a pedidos, anotações do caderno amarelo:]

preso ao presente desde o êxodo, coisa errada oficinei nesse mundo calabouço, desterrado estúrdio; mudar é vertiginoso; virei bem de consumo jogado na economia de mercado, valor tortuosamente extraído de uma profissão, no osso da cifra, na safra, na caça, vivendo à beira do mal, rastejando no caos, baixando olhar de cão para a pele metálica da sociedade; o dia se dilui indecifrável, precisando festa irrefreável; bebam, eu assisto; boa noite, garotas que não conheço ainda, vejo luminescências no ar, encosto a cabeça no chão, ela pesa nas têmporas; ciranda eu vou tirar em cortesia; dedico este brinde à guria gótica baixinha invocada, prosélita do exército vermelho; o corredor escurece, fecho os olhos; coração pulverizado; é intermitente o trâmite dos sentidos.

Monday, November 21, 2005

o anjo de jah apareceu no anganhabaú, fez o delivery e sumiu. a chuva ñ atrapalhou, fiquei debaixo de uma marquise olhando o bolo de gente dançar chorinho, foi engraçado. depois achei um boteco legalize com jukebox de samba, estive nele por cerca de meia hora.

Thursday, November 17, 2005



o romance "conversa na catedral", de mario vargas llosa, monta um painel social e político da sociedade peruana nas décadas de 1940 e 1950, especialmente da capital lima (com seus bares, puteiros e redações de jornal), por meio do encontro casual entre um jovem burguês e o ex-motorista de seu pai e de um texto estruturalmente fragmentário, que, sem abandonar a clareza narrativa, se faz repleto de tramas paralelas, avanços e recuos no fluxo temporal e uma polifonia de vozes dialogantes e monologantes

Monday, November 14, 2005



há um ano faço download de mp3 sem me preocupar com back-up e agora o computador ñ tem mais espaço livre em disco; faz-se necessária uma pausa para a digestão... fiquei lembrando de quando a febre começou e ressuscitei este texto, que saiu num jornal baiano em março de 2000

Sunday, November 13, 2005

uma garrafa de vidro inesperada explode a meus pés. a turma troglodita ondula se animando quando a música passa a pulsar em espamos harmônicos, os bicos dos sapatos da gnomo dentuça começam a deslizar randomicamente no chão de fórmica pastoso de poças de cerveja e poeira misturadas, o dono da garagem acende uma lâmpada encostada a um amplificador, o recinto inteiro se altera, salta de súbito da penumbra-estrofe para a claridade-refrão, e então os vocais da gravação se calam e o instrumental incendiado pelo solo de guitarra varre o salão como um arrepio, a brasa do cigarro de alguém fura minha calça mais uma vez,

Wednesday, October 05, 2005

rotação, rotação... deixa assim um tempo

Tuesday, October 04, 2005

dormi alguns segundos no banco de espera, os pensamentos malignos de sempre ocupando meus sonhos, sangue na camisa, a possibilidade de alívio para além da superfície de inscrição, para além do empirismo, censura prévia

Thursday, September 29, 2005

os manifestantes saíram em passeata, houve confronto com a polícia, a tropa de choque usou bombas de gás lacrimogêneo. quando tudo acabou, encontrei uns conhecidos e fomos pro charm, comentar os acontecimentos. nara leão apareceu, bebemos uísque. ela é fotógrafa, diz que ganha R$ 5.000 por 1 foto. sei.

Friday, September 16, 2005



garimpando guitarras no cardápio atual, foi surpresa encontrar a intensidade que buscava num power duo de bateria e baixo polivalente [na tendência de enxugamento instrumental que seguiu o suposto quase-colapso do rock, resultante da disseminação da música de computador], death from above 1979, que lançou em 2004 "you're a woman, i'm a machine", com introduções sinistras, levadas arrebatadoras e letras sobre embates sexuais

Thursday, September 15, 2005

rodolfo s. filho mantém há quatro anos a coluna semanal "cabeceira", no jornal a tarde [salvador/ba], onde resenha livros e comenta assuntos relacionados à leitura e à literatura; o escriba achou por bem examinar meu livro no texto "Insetos poéticos", que copio abaixo:

A Edições K é uma editora independente fundada no ano passado por escritores de diversos pontos do País. Em expansão rápida, a
cooperativa de editores já lançou 13 livros, de nove autores e – graças ao
empenho do grupo – vem firmando-se como um espaço importante para novas vozes da literatura brasileira. O pernambucano Wladimir Cazé é
um dos fundadores do grupo e, depois do cordel “A Filha do Imperador que
foi Morta em Petrolina”, lança seu segundo livro, “Microafetos”.

Coletânea de 44 poemas escritos entre 1997 e 2005, “Microafetos” é
divido em quatro partes com unidade formal e temática: “Caterva”, “Fauna
Miúda”, “Microafetos” e “Ocasiões”. Apoiados em imagens fortes, os poemas de Cazé antropomorfizam insetos e répteis. Ao contrário do que
se poderia esperar, não há exaltação à natureza: é ela que se torna imperfeita e neurótica.

Cazé é um poeta cerebral, que nunca se deixa tomar por qualquer
arroubo de emoção. São jogos formais rigorosos que dão origem aos textos, cheios de aliterações e eufonias. Graças a esses jogos, os poemas adquirem um ritmo poderoso, sem recorrer às formas canônicas. O melhor exemplo disso está na terceira parte do livro, que usa proparoxítonas com resultados sonoros: “Na areia úmida de um mangue incômodo, / o radar do caranguejo alienígena / localiza a lagosta afrodisíaca: / namoro catártico num mundo autônomo.” Para se ler em voz alta.

Apesar dos jogos, a poesia tem seus momentos de lirismo, mesmo que estranho. As coisinhas nojentas se tornam quase ternas no verso de Cazé, efeito que ganha corpo com as ilustrações de Iansã Negrão. Contemporâneo e urbano sem se render a elementos ou citações datadas, “Microafetos” é poesia de primeira, sem nenhum mofo nostálgico.


Rodolfo S. Filho, A Tarde, caderno Dez!, 15/09/2005

Tuesday, September 13, 2005

esta noite fui ao lançamento de um livro para ver se dissipava a mágoa que me intoxica. os autores do livro estavam vestidos de coelho de pelúcia, na capa um coala colorido espreitava. sentei numa mesa e bebi sozinho. puxei conversa com uma gaúcha, ela disse "não bata na porta, que não vou abrir". ok, princesa. acendi um cigarro e na mesa ao lado reclamaram da fumaça. o coala da capa do livro me mordeu na perna. não doeu, mas incomodou. fiquei com uma marca de mordida e raiva, muita raiva. aposto que o bicho não foi vacinado. em compensação, ganhei um saco cheio de croissants, café da manhã garantido.

Friday, September 09, 2005

o ótimo estudo de cristiane costa [o título é auto-explicativo: "pena de aluguel - escritores jornalistas no Brasil, 1904-2004"] desvenda tensões e confluências entre os dois ofícios e mostra que vêm de longa data "a circularidade de elogios do meio literário provinciano, uma espécie de 'autopúblico, num país sem público'" [apud antonio candido], as
"apoteoses aos amigos e conluiados (...) e o silêncio matador para os desafetos ou indiferentes" [apud joão do rio]... ainda vou terminar de ler o livro, do qual extraí também uma citação autobiográfica para o p x c

Monday, September 05, 2005



finalmente assisti "pi" (1998), lendário filme de darren aronofsky, alegoria sobre a sede de conhecimento na era informacional, com roteiro que combina matemática, obsessão e judaísmo e uma câmera subjetiva pensante atrelada à sonoplastia de maneira detalhista; a tripla sessão caseira de longas dementes, ontem à tarde, teve também "o processo" (versão de 1993) e o primeiro ato de "laranja mecânica" (1971)

Thursday, September 01, 2005

o dia foi da-lama-ao-caos:

7h30 - banho de esgoto na avenida 23 de maio (maldito gol cinza!)
14h - cigarro e café no 15º andar do prédio da fiesp

[este post poderia ter ido pra outro blog]

Wednesday, August 31, 2005

o romance "o mundo alucinante", do cubano reinaldo arenas, é uma narração surrealista de uma história real, a do frade e orador mexicano servando teresa de mier, perseguido na américa e na europa por discursar pela independência e outras "heresias"... prosa neobarroca, delirante e colorida, para degustar devagar

Monday, August 22, 2005



De João Pessoa, na Paraíba, Mestre Esmeraldo comanda o projeto musical Chico Correa & Electronic Band, aponta uma trilha saliente na paisagem sônica brasileira e funde referências sertânico-agrestes a aspirações globo-locais. O trabalho da banda impressiona pela liberdade com que seus músicos encontram parentescos entre gêneros tão diversos quanto rock, funk, bossa nova, baião, samba de coco, jazz, jungle, trip hop, dub e outros.
A banda ganhou visibilidade em 2003, no Festival Abril Pro Rock (Recife/PE) e no TIM Festival (Rio de Janeiro/RJ). Desde 2002, teve diversas formações, capitaneada por Chico Correa (guitarra, programação eletrônica, efeitos digitais) e consolidada a partir de 2004, com Ed (contrabaixo), Larissa Montenegro (vocais), J. Cassiano (percussão), Vitor Ramalho (bateria e percussão) e Stephan Suíço (sax).
Chico Correa narra os primórdios:
- "A idéia era simples, eu e computador, só loop e groove, só love. Depois da entrada dos músicos e da cantora, acabou mudando prum lance ambient-regional. Eu gravava em MD: dava play e tocávamos por cima. Hoje usamos samples, groove-box e metrônomo pro baterista, há mais possibilidades de combinar e recriar ao vivo."
No disco a ser lançado ainda no segundo semestre de 2005, as duas tendências se equilibram. Os ritmos vão do berimbau-jungle cru e instigado de "Afrotech" ao agrestewerk cangaço-gangsta de "Côco de elevador" e o baião-de-viola sincopado de "Esperando o dia passar". O eletrofunk é a praia em que transita "Eu pisei na pedra", enquanto "Mangangá" junta rock e maracatu, mas com uma fórmula diferente da usada pelo mangue-beat. Outras pistas: "Bossinha", "Baião lo-fi"... A fauna humana local é representada por "Lelê" (toada de saudade interestelar), "Zabé" (tecno-embolada) e "Odete" (drum'n'roots).
Ao vivo, o grupo atua como um live-PA: Chico manipula a parafernália eletrônica e conduz a guitarra, a graciosa voz de Larrisa dispara glissandos mouriscos e o quarteto de jazzistas galopa faixas de áudio que sincronizam o tradicional samba-de-coco-de-engenho paraibano com células de step-funked breakbeat.
Parece noite de drumba-meu-boi: arrasta-scratches, schottische-scratches e xaxado remixado sacudindo retro-retirantes e alto-falantes induzindo à dança o homem-gabiru, genuinamente ao "som do demônio", no sentido de uma mistura de música de black magic com demonstration tape, xangô de batuque e gene de drum machine.
No meio dessa encruzilhada de ruídos, versos de domínio publico:
- "Olê, olá, o coquista está aqui."
Ou:
- "Serena, serená,
serená do amor,
nos braços de quem me ama
morro, mas num sinto a dor.
"
Ou:
- "Eu pisei na pedra,
a pedra tremeu,
a água tem veneno,
oi morena,
quem bebeu, morreu.
"
Chico desde 1999 produz esse sons. Ele foi pesquisador do Laboratório de Estudos da Oralidade (Universidade Federal da Paraíba) e colabora no grupo paraibano Jaguaribe Carne ("Vem no vento", 2003) e na comunidade transregional Re:combo. "Toquei com Eleonora Falcone durante um ano, eletrônica sutil com tango, MPB, bossa e coco, fiz shows com Lado 2 Estereo e Gilberto Monte (da banda baiana Tara Code)", martela o músico. Em 2005, Chico Correa & Electronic Band se apresentou várias vezes em São Paulo e passou também por Salvador/BA, Belém/PA e Brasília/DF.
Que venham mais shows, e que a eles venham caranguejos, caipiras, caiçaras, sertanejos, cangaceiros urbanos, ciber-sacizeiros, clubbers caboclos. Chico Correa & Electronic Band é a música nômade nordestina desta década, a "viver de porta em porta, com a mochila na mão".
de vez em mim, eclosão do mar longe, o desembrulhar-se sério das ondas verdes de salvador, meu olhar nada nas águas, no patrimônio barroco, espreita o fôlego das curvas, séquito súcia sequela caminha comigo, cinquenta que sejam, eu aceito o compromisso, o amor ao panteão, é cangaço, é congonhas, é graúdo desertão; guindastes plantando novas cidades à toa, por toda parte aumento na construção civil, sob a proteção de palas atena em são paulo, dona da pala e das antenas, de madeira o leme falante na proa da nau argo, alta, morena, conselhos a evitar perigos, me arranjando emprego, apartamento, amigos

Friday, August 19, 2005

nova resenha de MICROAFETOS, agora no Jornal do Brasil: "Prosopopéia do universo" é o título do texto de Henrique Rodrigues

Thursday, August 18, 2005



manual do fantasma amador (benvenutti, edicões K, 2005) é uma crítica política ao mundo globalizado, em uma forma de prosa poética que satiriza os best-sellers de auto-ajuda. inquietante, especialmente num momento em que fantasmas profissionais se mostram tão presentes no cotidiano do país.

Tuesday, August 16, 2005

"caymmi: uma utopia de lugar", de antonio risério, demonstra como itapuã se torna espelho para a bahia e, por contraste, utopia para os "centros urbanos do brasil meridional" (principalmente são paulo), por intermédio da poesia de dorival caymmi, que descreve uma vida praieira à base da pesca e ignora as inovações do século 20 começando a chegar à cidade do salvador



já conhecia, por mp3, o "auto da catingueira", de elomar figueira de mello, mas só agora tive acesso ao encarte do álbum-duplo, libreto de uma peça lítero-musical densa de subtextos imersos em trama simples (numa feira, dois cantadores disputam o amor da pastora Dassanta), recolhida na tradição oral e popular da região do rio do gavião, sudoeste do estado da bahia



outros livros frequentados durante as férias: "cavernas & concubinas" (cardoso), "contos negreiros" (marcelino freire), "ainda lembro" (jean wyllys), "de tardinha meio azul" (karina rabinovitz), "o rei degolado - ao sol da onça caetana" (suassuna), "no soy más que una piedra calentándose al sol" (maría laura rojas) e "manual do fantasma amador" (benvenutti), o último dos quais indiquei para a seção "Estou lendo", da revista do Correio das Artes, do jornal A União (joão pessoa, paraíba)

minitur microafetos 2005 agradece a Nadja Vladi, Ceci Alves, Iansã Negrão, Goli Guerreiro, Mayrant Gallo, Patrick Brock, Sérgio de Sá, Astier Bastílio, Isabela Larangeira, Antonio Mariano, Chico Correa, Linaldo Guedes, Valdélio (Boratcho), Bob Zaccara, Sesc Petrolina, Luciano Matos, Nina Luz, Verena Petitinga (pela trilha sonora), William Costa, Carlos Aranha, às famílias Cazé de Andrade e Viana dos Santos e a todo mundo que comprou o livro

Wednesday, August 10, 2005

vá logo repovoando o campo de visão com anúncios luminosos, prédios enfileirados, faróis, ande até a kombi branca abandonada

Saturday, August 06, 2005

numeração não-linear, de milhares para centenas, de centenas para dezenas, sem uma lógica compreensível, até a maquete de canudos, onde armamos tocaia

Wednesday, August 03, 2005

gentilmente emprestado pela autora (goli guerreiro), "a trama dos tambores - a música afro-pop de salvador" desvenda a diversidade sonora do carnaval da capital baiana, especialmente o trânsito do samba-reggae à axé-music, a partir dos bairros onde surgiram os blocos afro (pelourinho, liberdade, periperi) para os endereços centrais da festa (campo grande, praça castro alves, circuito barra-ondina); leitura-chave para o cordel que termino de escrever nos próximos dias

Monday, August 01, 2005

de andada no recife, noite de sexta-feira agonizante no bairro antigo, mendigo metendo o dedo em meu copo, mas no sábado missa no largo de são pedro (mombojó de graça)... o lagartixamóvel desembarcou agora há pouco no sertão de pernambuco

Wednesday, July 27, 2005

selva de pernas na areia da praia, ao sol em cabedelo, coqueiral e prédios caixa-baixa, livreiro-viajante-eu ampliando a área reconhecida, quase perdido ao adentrar a paraíba, instalado na última rua, ao norte, do município de joao pessoa; duas coisas na cabeça esta manhã: uma mancha de sangue escura e o império costa azul-pituba [salvador/ba]; o apartamento no bessa: altar ao mar, cadeiras de plástico e rede, pêndulo; surfistocracia

Wednesday, July 06, 2005

Silva horrida ficará fechado durante o mês de julho; farei
palavras cruzadas durante minhas viagens; até a volta

Monday, July 04, 2005

nem recital nem leitura na benedito, mas banquete no bar do biu, passeio na vila madalena com a menina de cabelos flamingo-flamejantes, lavagem na mercearia [melhor lançamento k até o momento, sucesso de vendas o livro de estevão e os ímãs-insetos] e microdança emocore na milo garagem... eu não estava mais lá quando aconteceu, mas soube que o teto da milo caiu

Tuesday, June 21, 2005

quando vi quem era a mulher nas fotos da revista que eu folheava, no mesmo instante joguei no chão e peguei outra

Monday, June 20, 2005

"Revista da USP nº 63" (2004) e seu dossiê sobre os 450 anos de são paulo, cujo artigo "A cidade metástasis e o urbanismo inflacionário: incursões na entropia paulista" (Nicolau Sevcenko) elege como a rua mais representativa da cidade a rua são paulo, no distrito sul da sé, historiando três séculos de seu papel de "espaço maldito", lado avesso do cartão-postal (avenida paulista, p. ex.), recebendo sucessivamente forca, pelourinho, cadeia, hospital, roda-de-enjeitados, asilo de loucos e mendigos (tavernas, matadouro e curtume nas cercanias), reencenados, nos dias de hoje, nos cortíços e nas garagens de carroças de reciclantes, justapostos à explosão imobiliária (lanchonetes, templos, faculdades, bancos, bingos, condomínios residenciais) de uma urbe de vocação heteróclita e em processo acelerado de acumulação de capital, reencontrada no artigo "Metrópole comunicacional" (Massimo Canevacci), sondagem da "Sensorália" tropical em permanente reconstituição tecnológica

Thursday, June 16, 2005

"pára", me disse a menina, "se você continuar me beijando, não sei que camisinha uso..."

Wednesday, June 15, 2005

têm até 30 de junho de 2005 [concorrendo a sorteio quem mandar mensagem com o assunto: "casa das rosas" pra wladimircaze@gmail.com...] os leitores (se é que eles existem) de Silva horrida que quiserem receber em casa um exemplar de "Cordel das rosas - criação poética dos novos cordelistas da Casa das Rosas", folheto lançado pelos alunos de césar obeid, do qual participo com as estrofes abaixo e outras mais:

(...)

Corria 2003...
Deixei família no "Norte",
por força das circunstâncias,
precisei tentar a sorte
e arriscar o meu baião...
Pau-de-arara de avião
foi meu meio de transporte.

Cheguei numa quarta-feira,
no comecinho do inverno,
preparado pra encarar
esta sucursal do inferno.
O termômetro caiu,
comprei capote pro frio,
é com ele que eu hiberno.

(...)

Thursday, June 02, 2005

meu livro "Microafetos" está rodando na gráfica, ilustrado por iansã negrão, de itapoã/salvador, primeira leitora da maioria dos poemas, e com programação visual de delfin, mais um produto do coletivo edições k [breve, aqui no Silva horrida, informações sobre os eventos de lançamento, em julho, em são paulo, parati e salvador]

Friday, May 27, 2005

Notas à "Introdução" de "A arqueologia do saber", de Michel Foucault

O autor atesta o impasse enfrentado em todos os ramos do conhecimento diante da desconstrução - efetuada por Marx, Nietzsche, Freud e alguns historiadores, linguistas e etnólogos - da concepção metafísica da auto-suficiência do sujeito da razão no desenvolvimento de um saber organizado sobre o mundo e a humanidade.
Assim como as outras ciências ditas humanas, a história carece de uma revisão epistemológica que (partindo do próprio interior de sua atividade investigativa e conceitual) esclareça equívocos, usualmente desapercebidos pelos pesquisadores, em afirmações aceitas como científicas, mas eivadas de noções infensas à objetividade, e aponte caminhos para que o trabalho de descrição das condições da vida das sociedades do passado possa prosseguir, aprimorado e mais condizente com as novas concepções filosóficas a respeito da existência e da cognição.
Foucault sintetiza sua argumentação numa inversão de foco do uso de monumentos e de documentos, definindo-os respectivamente como objetos de estudo da arqueologia e da história.
A nova história deve encarar os textos e registros da operosidade humana nos campos da economia, religião, política, arte, ciência e assim por diante, não como documentos, que conteriam um "arquivo" fiel da vida como era quando de sua redação, mas como monumentos, que precisam ser inseridos numa reconstituição dos fluxos de pessoas ao seu redor para voltar a manifestar o sentido de sua existência prática. Teria de ser, portanto, uma história tributária aos ensinamentos da arqueologia, como ciência e prática de preencher os vazios abertos nos objetos pela passagem do tempo, interpretando os textos deixados por nossos antepassados com desconfiança e malícia bastantes para reconhecer o ranço incoveniente - não-pronunciado, devido à interdição de ideologias de classe - que se manifesta no discurso dos interlocutores (cientistas, sociedade civil, instituições públicas, minorias e indivíduos).
Considerando o caráter "documental" do texto de qualquer filósofo ou pensador, Foucault propõe uma releitura rasurante de autores como Marx e Nietzsche. O trabalho deles precisaria ser reenquadrado e repensado como índices de suas existências pessoais, resgatados como "monumentos" eles mesmos de um momento específico de uma dada sociedade, para que os pesquisadores (ampliando o seu distanciamento para com os indivíduos como se distanciam os arqueólogos, não os historiadores) contornem o impulso conservador que pôde se apropriar das descobertas de Marx e Nietzsche e reduzir o alcance de suas consequências, refinando o método e o resultado do trabalho acadêmico e formulando respostas menos satisfeitas com verdades consensuais.

Tuesday, May 10, 2005

quando vim parar neste labirinto, uma das primeiras providências que tomei foi tatuar uma bússola de cristal líquido no pulso esquerdo, que me desse os pólos, que pela agulha me orientasse, rosa-dos-ventos por dentro da pele, do mármore-granito-e-bronze do marco zero decalquei a posição em que meu braço se ajustaria ao desmantelo da mega-aldeia em que morava agora, por ela absorvido, o corpo furando a fumaça de churrasco da praça, errando ao pensar que conseguiria ainda me desvencilhar do olho do furacão, não estivesse eu em diáspora privada, satelitizado entre encruzilhadas, contra as retinas seta após seta indicando as coordenadas, as veias transbordando em ruas, a magnetita de tinta apontando a meus passos o rumo por entre as torres-de-babel, partindo da sé para quatrocentos cantos cardeais a tartaruga-serpente negra guardiã do norte, nos sulcos do metal sobre o pedestal previstas saídas para o rio, as minas gerais

Sunday, May 08, 2005



O mato-grossense Manoel de Barros, 89 anos, pertence àquela classe de escritores dos quais se costuma dizer que vivem a reescrever o mesmo livro ao longo de toda a sua obra. Em "Poemas rupestres" (Record, 2004, 80 páginas), 21º título da bibliografia do poeta, ele retorna aos elementos que marcam seu trabalho desde a primeira publicação, em 1937: a paisagem do Pantanal, a infância, a relação misteriosa que existe entre as coisas e os nomes que damos a elas.
Para o leitor já familiarizado, não há nada de novo nos 23 textos do volume. Sua leitura, porém, surpreende - tanto a quem conhece quanto a quem trava um primeiro contato com o autor - pela inventividade com que ele aborda a natureza e os habitantes da região onde vive, conferindo-lhes alcance universal.
A poesia se torna uma forma privilegiada de acesso ao mundo, por ser fundada no encantamento. Na contramão da lírica convencional, contudo, Manoel de Barros fala de um encantamento por tudo o que à primeira vista parece desprezível: para o olhar do poeta, beleza e verdade podem ser encontradas numa lata jogada no lixo ou numa perna de formiga agonizante. Trata-se do que, em outro livro, ele chamou de "grandezas do ínfimo".
Explorando as fronteiras entre os reinos animal, vegetal e mineral, o autor encontra iluminações insuspeitas - como o poste que se transforma numa árvore. Revolvendo os detritos da linguagem, entre arcaísmos e neologismos, ele descobre "uma natureza que pensa por imagens" (p. 45) - como as figuras que o homem pré-histórico pintou na pedra.

Saturday, April 16, 2005

"cosmópolis", de don delillo, encarna o turbocapitalismo global em um especulador financeiro que percorre nova york ao longo de um dia repleto de episódios extremos e simultâneos, narrados em prosa afetada, cujas trucagens não isentam o livro de clichês e um ritmo maçante

Friday, April 15, 2005

cidade do méxico e buenos aires são os próximos lugares onde a microeditora amauta vai distribuir gratuitamente os seis volumes da coleção Muro de Tordesilhas, que já circularam por são paulo e constam de edições bilíngues de autores brasileiros e latino-americanos (o nicaraguense rúben darío, o argentino martín kohan e o uruguaio horacio quiroga)

Sunday, April 10, 2005

no romance-memória "juventude", de j. m. coetzee, o retrato à mostra é o de john, aspirante a artista em rito de passagem para a idade adulta e assimilando uma anticlimática mudança de cape town (áfrica do sul) para londres, absorto em interrogações e comparações entre poesia e matemática, trabalho e liberdade, integridade moral e sobrevivência, tediosa rotina descrita magistralmente

Sunday, April 03, 2005

da prateleira de gibis salta a revista "Contravento nº 2" (2004), editada pelo Grêmio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, no disfarce de foto-colagem de ficção sobre Antônio das Mortes e seu exílio, depois que a guerra "no sertão acabou", em Brasília, durante as comemorações da posse de Luís Inácio, e na São Paulo de megaconjuntos habitacionais, poluição e especulação imobiliária, sendo essas também as duas cidades mais estudadas nos artigos, escolhidos com pertinência fervilhante, "Houston™" e "Shopping", do Harvard Project on The City, contra "Forma e função na arquitetura", de Niemeyer

Friday, March 25, 2005

fração do vasto patrimônio artístico da capital federal foi inventariada pelo fotógrafo Roberto Castelo no livro "Brasília - Monumentos, marcos e esculturas" (Editora Cavaleiro dos Pirineus, 1999), do qual tenho cópias para distribuir a quem interessar

Sunday, March 13, 2005

semelhanças e diferenças entre os processos de metropolização das capitais do brasil e da argentina na passagem do século XIX para o XX são o mote de "Rio de Janeiro - Buenos Aires - Duas cidades modernas - Fotografias 1900-1930" (coedição do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social e do Banco de Inversión y Comercio Exterior, 2004), compilação de textos curtos de especialistas e fotos históricas (Augusto César Malta de Campos, Marc Ferrez) em que se vislumbram, entre outros pontos do Rio, Copacabana ainda pouco ocupada e os Arcos da Lapa em péssimas condições

Friday, March 04, 2005

recém-chegando-se a qualquer cidade, sempre uma fêmea multiforme, não convém cega adesão nem repúdio, usada ela seja ferramenta a favor dos competidores, esta a lei fundada no convício de feirantes, transeuntes; convém opor manso andamento a seu turbilhão de entreposto econômico, de capital do capital de castelos de vidro proliferantes à beira de um rio de gordura e gosma química, sedimentar a carapaça para anteparo ao massacre do concreto crescente, injetar no crânio informação ininterrupta, desaparecer no trânsito de fim de tarde, tornar o sol obsoleto em espirais em combustão; devendo o cidadão, sedado cedaço, ao aproximando-se dela, sondar-lhe a palpitação do seio,

na permissividade ponderante
do velho silicone avantajado,
querer corpo todo nela encostar,

nisso apenas assentar investida;
é tê-la despido e amá-la despida
dele o desejo a se fazer bastar.

[texto publicado no caderno "Dez!", do jornal "A Tarde", de Salvador (BA), em 3/3/2005]

Friday, February 25, 2005

na floresta de letras, "condição de isolamento" escrito em vermelho numa tira de papel dentro da caneta bic, fugindo da chacina assino paulo silva, latin lover, robocop & seus teclados, homem-gabiru, assino eu mesmo, eu ontem

Tuesday, February 15, 2005

romance-reportagem polifônico, "Aqui São Paulo - Gente", de Wanda Figueiredo (Editora do Escritor, 1971, ilustrações de Henfil), taquigrafa depoimentos de nativos e forasteiros sobre sua relação com a metrópole, a exemplo do pintor cássio, que descreve a "impressão de estar dentro de uma floresta (...) perdido como se estivesse no meio de (...) uma porção de árvores que não conheço" (p. 219)

Monday, January 03, 2005

engrossando as estatísticas do aeroporto de guarulhos e escapando das de vítimas da violência, eu, a quem salvador saúda renovada, ângulos desconhecidos da baía de todos os santos na ladeira da misericórdia, pouco a pouco deixo a cerveja quente me exaltar, na tentativa de superar a letargia diurna do mormaço ardente, manipulado pela rua agora, manuseado sobre as mesas do pós-tudo, arrastado na corrente escuro-cintilante das águas desta terra, 24 horas apalpando a noite, estou exausto, a língua queimada de café; vamos para onde não existem câmeras e bebo pela primeira vez de uma garrafa sem rótulo; é preciso escolher a próxima música; pensamento de bairro e ação centrípeta, sempre um giro exploratório, endereço após endereço