Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Sunday, May 16, 2010

Meu blog novo: segunda chamada !


Há um mês, transferi todas as atividades do meu velho blog Silva horrida para outro endereço, Macromundo - mesmo título de meu livro de poemas que está em temporada de lançamentos pelo país afora. O novo blog é, de agora em diante, o espaço onde publicarei poemas e comentários sobre livros, viagens, leituras, lugares e outros assuntos. A ideia também é organizar, num único local, alguns de meus textos e informações sobre atividades que venho realizando, além de links para vídeos e áudios.Atualizem seus marcadores, feeds, etc. e acompanhem Macromundo.

Saturday, April 10, 2010

LIVRO NOVO, BLOG NOVO

atualizem seus marcadores, feeds, etc.:

meu novo endereço é
www.wladimircaze.blogspot.com
(em construção)

Foram mais de 5 anos no ar, registrando passo a passo minha caminhada literária. Porém limitações técnicas da plataforma google+blogspot me impediam de atualizar o template do Silva horrida. A partir de agora, postarei meus comentários sobre livros, viagens, leituras, lugares e outros assuntos num blog mais organizado, com links para textos, vídeos, áudios e outras atividades que venho realizando.
Visite Macromundo!

Thursday, April 08, 2010

Próximos lançamentos de "Macromundo": Porto Alegre/RS e Vitória/ES



PORTO ALEGRE/RS:
24 de abril, sábado
10h
na Letras & Cia (Osvaldo Aranha 444, Bom Fim)
Com Bárbara Lia e Laís Chaffe
(Evento integrante da programação do Festipoa, de 20 a 25 de abril -
programação completa)




VITÓRIA/ES:
20 de maio, quinta-feira
20h
na ADUFES (Campus da UFES)
Com Alexandre Moraes, Casé Lontra Marques e Alexander Nassau

[ breve mais novidades ]

Sunday, April 04, 2010

O grande marco visual incorporado na paisagem de Vitória durante a década de 1980 foi a terceira ponte de ligação entre Vitória e Vila Velha. (...) A visualização da cidade do alto possibilitou a identificação de alguns elementos importantes do sítio físico de Vitória como os afloramentos rochosos (...).” (Letícia Beccalli Klug, em “Vitória: Sítio físico e paisagem”, p. 57)

A vista de Vitória através dessa ponte desvenda quase todos os elementos naturais da ilha. A sua altura permite visualizar, à esquerda, todo o desenho da baía e de suas ilhas, além de ver ao fundo as montanhas do interior. A relação entre o mar e os morros fica bastante clara para quem trafega pela ponte.” (id., ibid., p. 69)

Desde a sua fundação, a cidade sempre dependeu do mar para se relacionar com o meio externo. Sua presença na imagem da cidade e na identidade da população é muito intensa, por ser uma paisagem consolidada ao longo de cinco séculos. A vista da paisagem natural da ilha é completada pela presença de cadeias montanhosas como a do Moxuara, no município de Cariacica, e a do Mestre Álvaro, no município da Serra. Essas paisagens refletem bem a característica da natureza capixaba: a vista do mar é sempre complementada por montanhas ou morros ao fundo.” (id., ibid., ps. 70-71)

Vista aérea da Baía de Vitória (à esquerda), com a ilha de Vitória
(centro) e a Baía do Espírito Santo (à direita)



Vitória: Sítio físico e paisagem”, de Letícia Beccalli Klug (Edufes, 2009), é um estudo das transformações operadas sobre o meio natural durante o processo histórico de construção da paisagem urbana da capital capixaba, fundada em 1551, na maior das 34 ilhas do arquipélago de Vitória, e que ocupava inicialmente uma estreita faixa entre a Baía de Vitória e o Morro da Fonte Grande: os sucessivos aterros que multiplicaram em várias vezes sua área (concluídos nos anos de 1812, 1819, 1830, 1860, 1925, 1941, 1952, 1960 e 1975); a expansão no sentido leste e norte, com a abertura de bairros planificados; e a disseminação descontrolada de edifícios de grande porte, que alterou radicalmente a percepção visual da complexa composição original de morros, matas, mangue, mar e ilhas.

Veja fotos de Cacá Lima produzidas para o livro de Letícia Klug

Foto de abertura do post extraída do link http://img167.imageshack.us/i/1232302ti8.jpg/

Saturday, April 03, 2010

Jardim da Penha, Vitória, Espírito Santo


foto do Jardim da Penha: Edson Reis (clique na imagem para ampliá-la: no alto, à direita, o Aeroporto de Vitória; no alto, à esquerda, o campus da Universidade Federal do Espírito Santo; na lateral direita, a praia de Camburi)



A leste do sítio universitário, depois de cruzada a Av. Fernando Ferrari, encontrava-se localizado desde então o bairro de Jardim da Penha. Em dezembro de 1970 havia o traçado de aproximadamente oitenta por cento deste, mas, apenas, para efeito de vendas de lotes. Oitenta por cento do bairro, a grosso modo, eram ocupados pela vegetação de restinga. As ruas projetadas pareciam mais caminhos que vias públicas, todas sem qualquer espécie de calçamento. A vegetação avançava pelas ruas ainda projetadas e ocupava grande parte do interior dos lotes. As praças que hoje existem eram apenas áreas demarcadas para suas futuras destinações. (...)” (ps. 23-24)

Jardim da Penha ainda não se constituía em um núcleo nem muito menos em bairro residencial digno de ser assim chamado, tão limitado era o número de suas construções. E, naturalmente, inexistiam casas comerciais ou qualquer estabelecimento público. A mais antiga construção de todo o bairro é simbolizada pelos armazéns do Instituto Brasileiro do Café (IBC) (...) inaugurado em 1961. (...)” (ps. 24-25)

Em Jardim da Penha havia dessa mata [de restinga] cobrindo quase cinqüenta por cento do bairro, mesmo levando-se em consideração que já havia empresas de loteamento operando desde há muito tempo ali. Essa paisagem tinha continuidade até a sétima quadra, indo da praia para o interior do bairro. (...)” (ps. 25-26)

“(...) A febre de construções (...) ainda continua nessas paragens características de classe média. A princípio, conjunto de casas residenciais, depois, conjuntos de edifícios residenciais, em seguida, edifícios isolados de melhor acabamento e apresentação e casas de bonitas fachadas. Finalmente, bares, lojas, supermercados, enfim, tudo o que um bairro necessita para sua vida própria. (...)”(ps. 32-33)

Ricardo Brunow Costa, em “Expansão urbana da área Norte de Vitória – 1970/87” (Centro Cultural de Estudos e Pesquisas do Espírito Santo, 1989)


Leia + sobre o Jardim da Penha neste outro post do Silva horrida, de novembro do ano pasado.


Monday, March 29, 2010

vídeo do recital de lançamento no Rio de Janeiro

Evento Cidade aTravessa, Edição #1, 19 de março de 2010; in order of appearance: Clóvis Bulcão (RJ), Casé Lontra Marques (ES), Alexandre Moraes (ES), Tania Alice (França), Farnoosh Fathi (EUA), Ronaldo Ferrito (RJ), Wladimir Cazé (BA), Márcio-André (RJ), Victor Paes (RJ), Suzana Vargas (RJ) e Paulo Scott (RS); um trecho de "Macromundo" pode ser ouvido entre 4'58'' e 5'19'':

Saturday, March 27, 2010

Da esquerda para a direita: Casé Lontra Marques,
Paulo Scott, Tania Alice, Victor Paes, Andréa Stark,
Marcio-André, Wladimir Cazé (em pé); Alexandre
Moraes e Márcio Rufino (agachados)


Foto: Bárbara Cerqueira Cazé

"Macromundo" foi lançado no Rio (mais fotos da noite de recital aqui) e já está oficialmente à venda no site da Livraria Martins Fontes (mas se você for comprar, compre comigo, que é para me ajudar; mande um email: wladimircaze@gmail.com).

"Macromundo" também está no twitter, com links para textos, imagens e áudios.

Próximos lançamentos: Porto Alegre/RS (abril), Vitória/ES (20 de maio) e Salvador/BA (data a definir).

Thursday, March 11, 2010

"Macromundo": lançamento no Rio de Janeiro, 19 de março de 2010, às 18h, na Travessa do Ouvidor (Centro)




















(clique na imagem para ampliar)

Meu livro "Macromundo" será lançado pela editora Confraria do Vento durante o evento “Cidade aTravessa: poesia dos lugares”, que terá leituras, performances e exibição de curtas e ocorrerá na livraria Travessa 1 (Travessa do Ouvidor, 17, Centro, Rio de Janeiro, tel.: 2505-0400).

Aí vai a PROGRAMAÇÃO COMPLETA:

- leitura: Suzanna Vargas (RJ), Paulo Scott (RS), Farnoosh Fathi (EUA), Casé Lontra Marques (ES), Alexandre Moraes (ES), Wladimir Cazé (BA), Ronaldo Ferrito (RJ) e Gustavo Jobim (RJ)

- lançamento de livros:
A densidade do céu sobre a demolição”, de Casé Lontra Marques (R$ 19,00)
A sequência de todos os passos”, de Alexandre Moraes (R$ 19,00)
Graduado em marginalidade”, de Sacolinha (R$ 32,00)
"
Macromundo", de Wladimir Cazé (R$ 19,00)
Blue note insônia”, de Tania Alice Feix (R$ 15,00)

- performance e poesia sonora: Márcio-André, Victor Paes e Tania Alice Feix (França)

- entrevistas ao vivo: Chacal e Carlos Felipe Moisés

- exibição de curtas: “Cinco poemas concretos”, de Cristhian Caseli, “Silêncio”, de Samuel Beckett, e “Anatomy of Dacay”, de Donny Correia

EVENTO: "CIDADE ATRAVESSA: POESIA DOS LUGARES"
DATA:
sexta-feira, 19 de março de 2010, a partir das 18h
LOCAL: TRAVESSA 1
ENDEREÇO: Travessa do Ouvidor, 17, Centro, Rio de Janeiro
TELEFONE: 2505-0400

Wednesday, March 10, 2010

Esta aí é a capa do meu livro novo, com ilustração de Iansã Negrão e projeto gráfico de Márcio-André. A Confraria do Vento já divulgou o preço na página da editora: R$ 19,00 (é barato, vão coçando a carteira...). Para ler um trecho do posfácio de Sandro Ornellas (intitulado “Posfacial”), clique aqui .

Macromundo” será lançado no Rio de Janeiro, na sexta-feira, 19 de março, na livraria Travessa 1 (Travessa do Ouvidor, 17, Centro), juntamente com outros três novos títulos da Confraria do Vento: os livros de poesia “A densidade do céu sobre a demolição”, de Casé Lontra Marques, “A sequência de todos os passos”, de Alexandre Moraes, e o romance “Graduado em Marginalidade”, de Sacolinha.

O evento terá também leitura de poemas com Paulo Scott, Tania Alice, Casé Lontra Marques e Alexandre Moraes, uma entrevista com Chacal e exibição dos curtas experimentais “Cinco poemas concretos, de Cristhian Caseli”, e “Silêncio”, de Samuel Beckett. Ainda não tenho certeza se poderei ir, mas vou me esforçar ao máximo.

Tuesday, March 09, 2010

"Macromundo" está rodando na gráfica... O livro sairá pela Confraria do Vento, com posfácio de Sandro Ornellas e ilustrações de Iansã Negrão, que também ilustrou meu primeiro poemário, “Microafetos” (2005).

vejam uma das imagens de "Macromundo" criadas por Iansã:




breve, aqui no Silva horrida, informações sobre os eventos de lançamento de "Macromundo", no Rio de Janeiro (ainda em março), em Porto Alegre (abril), em Vitória (maio) e Salvador (data a definir).

enquanto o livro não chega, mais um aperitivo:

três poemas dele (“Caracol”,
“Barata” e “Valsa”) ganharam versões sonorizadas, produzidas pelo compositor Heitor Dantas, e podem ser escutadas no Myspace de nosso projeto Vetor, juntamente com outras faixas contendo textos meus.

boa audição!

Saturday, March 06, 2010


“ (...) ninguém migra impunemente. (...) o abandono da querência sempre custa caro. Na troca de uma terra por outra, perde-se um pouco e ganha-se outro tanto. Parte-se por necessidade econômica, para fugir da seca, do frio ou da fome, para escapar de conflitos ou pressões, renovar as raízes, buscar nova identidade. Nesse processo de avanços e recuos, perdas e ganhos, o que sobra é a própria memória; ou, então, uma cultura.

(Geraldo Hasse, “Meus caros pais: uma trajetória migrante”, in: “Migração e identidade – Olhares sobre o tema”, coletânea de artigos organizada por Maria Jandyra Cavalcanti Cunha, São Paulo, Centauro Editora, 2007)

Wednesday, February 17, 2010

Foi (...) a época em que ‘ir embora’ se tornou o pai-nosso-de-cada-dia, o pelo-sinal de cada dia, o feijão com farinha de cada dia. A vida ganhava outro sentido – e esse sentido era a estrada, na verdade uma simples vereda cheia de buracos e atoleiros, por onde os (...) caminhões e automóveis se desgraçavam com teimosia (...)” (p. 116)

Tanta escravidão, quanto sertão, tanto não, quanto nada, tanto agreste, quanta estrada, tanta inundação, quanta malhada, tanta seca, quanta queimada. E as chamas. E as cinzas.” (p. 70)

(
Antônio Torres, em “Adeus, velho”, 5ª. ed., 2005)



Neste romance de 1981, Antônio Torres conta como a numerosa prole do velho Godofredo se dispersa em várias direções, partindo do lugarejo de origem, no sertão da Bahia, “
para tentar a vida em outro lugar”, seja na capital Salvador, seja em outros paradeiros “pelo interior adentro”, buscando não um “interior só de roça, mas um lugarzinho melhor, porque cidade vicia” (p. 67). Uma profusão de histórias e de personagens se entretecem numa trama de monólogos, calcados principalmente em Virinha e Zulmiro e compondo uma polifonia de lembranças, anseios e frustrações que guarda uma dinâmica similar à da cidade de Salvador tal como vista por Zulmiro (“um mundo que marcha aos empurrões, solavancos e cotoveladas, barulhento e aflito”, p. 56). À caracterização árida da cidadezinha da infância e da adolescência dos filhos de Godofredo – “pedregulhos sem futuro, (...) sofrida miragem sobre pastos mirrados, (...) casas caindo aos pedaços, (...) um vasto desengano a perder-se na linha de um horizonte desolado que cerca o nada. ” (p. 8); “um amontoado de casinholas disformes, díspares e desbotadas, um modesto ajuntamento humano que já atendeu pelo nome de povoado, até ser promovido a arraial, passando mais tarde a chamar-se vila e depois, em tempos mais recentes, chegando à moderna condição de cidade” (p. 189) – se sucede, na vida adulta, uma Salvador de “ruas bonitas, como os cartões-postais”, mas “sujas e fedidas” (p. 56), “atulhadas de famintos”, com um “péssimo sistema de esgoto” (p. 81) e que já não dá margem para esperanças ou sonhos de felicidade: “Voltar ao passado era um retorno às radiantes promessas de um futuro que redundara apenas no decepcionante dia de hoje. Se houve alguma vez a ilusão de que existiria sempre uma via-láctea a iluminar o caminho de cada um, agora havia a certeza de que o céu não oferecia o mesmo clarão para todos” (p. 129).

Em depoimento publicado no livro “
Com a palavra o escritor” (Fundação Casa de Jorge Amado, 2002), Antônio Torres explica que todos os seus romances contêm o mesmo núcleo temático: “tento buscar um entendimento do que se passa com os homens que trocam a sua terra por outra e que (...) lá no fundo de si mesmos perdem a que tinham e não conquistam a outra.” (ps. 192-193).

Nota
: Outras três obras de Torres já foram comentadas aqui no Silva horrida: "Um cão uivando para a lua" (1972), "Os homens dos pés redondos" (1973) e "Essa terra" (1976). O plano de leitura da bibliografia completa do autor continuará a ser executado nos próximos meses.

Wednesday, February 10, 2010

“(...) o ideal seria não ter que voltar, enfrentar a viagem como uma fuga radical (...). No fundo, sempre o desejei. Todo mundo quis fazê-lo alguma vez. Todos abominamos o lar confortável, esse domicílio fixo que leva escrito o nome da morte na perfeita tristeza de nossos móveis, na bondade da cama de cada dia, em nossa vida cinzenta de perfeita ordem feliz.” (p. 83)

As pessoas que viajam sozinhas têm um sexto sentido, uma espécie de facilidade ou capacidade de percepção muito superior àquelas que viajam acompanhadas e ficam o tempo todo falando como maritacas e nada percebem, incapazes de captar detalhes (...)” (ps. 131-132)

(Enrique Villa-Matas, “A viagem vertical”)



Barcelona, Porto, Lisboa e Funchal (Madeira) são os cenários por onde trafega Mayol, o personagem principal de Vila-Matas no romance “A viagem vertical” (1999), numa solitária “queda livre e descida vertical em direção ao sul” (p. 131), percurso que é tanto geográfico quanto existencial. Já um ancião de 77 anos, Mayol se vê levado, de um dia para o outro, a exilar-se do terreno firme e familiar de sua Barcelona natal e a iniciar uma “peregrinação ao fundo de si próprio”. Ele escolhe seu itinerário de maneira um tanto aleatória, ao sabor de associações livres e sugestões do acaso: “(...) pensou ter ouvido a palavra Porto. Porto! Acabara de escutar ou acabara de imaginar? Não pensou duas vezes e (...) adquiriu (...) uma passagem de avião para o Porto” ( p. 69). Quando alcança o limite do Atlântico, em Lisboa – uma cidade “Labiríntica (...), triste e cativante (...), elegante em seu serpentear” (p. 131), “ inquietante, onde uma pessoa nunca sabe se está no fim de uma viagem ou em seu ponto de partida” (p. 157) –, só lhe resta seguir adiante em sua “fuga em fim” (p. 84), sua busca da “sabedoria do afastamento” (p. 219), chegando então à Ilha da Madeira. A busca de Mayol é por algo que o narrador define como um “Porto Metafísico” e que aparece às vezes representado pela lendária ilha de Atlântida – idéia com a qual Mayol acaba por identificar-se, deixando-se “levar por sua excepcional capacidade para afundar, (...) tremendo em meio a terremotos e inundações e (...) iniciando sua última descida, (...) afundando em sua própria vertigem, chegando ao país onde as coisas não têm nome e onde (...) não existe mundo, só o abismo (...)” (p. 252).

Nota: Minha Bárbara leu o livro junto comigo e fez bonitas anotações no blog dela, Vinte e Cinco Inquietações. Dois outros livros de Enrique Vila-Matas, "Bartleby e companhia" e "O mal de Montano" já foram comentados aqui no Silva horrida.

Sunday, February 07, 2010

Estou andando a pé por uma cidade impossível de se andar a pé. Que lugar incrível. As vozes na rua são vozes de outro planeta. A sensação é de que estou ouvindo um bando de estrangeiros que de repente aprendeu a minha língua. Ando e penso. Não paro em lugar nenhum. São todos iguais. Cadê o teu dinheiro, São Paulo? (...) Minha miséria atual me obriga a depender de ti (...). Também preciso viver. Preciso fazer uma porção de coisas faturáveis. Tenho tarimba, meu chapa. Conheço alguns macetes.”

(Antônio Torres, em “Um cão uivando para a lua”, 4ª. ed., 2002, ps. 93-94)



Primeiro livro de Antônio Torres, “Um cão uivando para a lua” (1972) centra-se nas desventuras do jovem jornalista T., nordestino vindo do interior para o eixo São-Paulo-Rio-de-Janeiro, no tempo do “Milagre” econômico sob o regime militar. A construção vertiginosa da narrativa – com saltos temporais repentinos e justaposições de monólogo interior, diálogos sincopados e cenas realistas ou alegóricas –, manifesta no próprio texto o estado mental do protagonista, que reprocessa seus 30 anos de vida enquanto se recupera de um colapso nervoso (“um curto-circuito milagroso”, p. 22), voluntariamente internado num sanatório. Paralelamente, o romance intercala momentos de um outro personagem, A., espécie de duplo bem-sucedido de T. que, movido por laços de amizade e reconhecimento profissional, tenta convencê-lo a sair da clínica e aceitar um emprego numa rede de televisão. Em contraste com o confinamento físico a que se submete em seu período de crise psíquica, T. recorda alguns de seus deslocamentos através do país, tanto a trabalho (como no caso da ida ao Ceará ou da travessia da então recém-aberta rodovia Belém-Brasília) quanto numa espécie de versão particular do “desbunde” tão em voga naquela época (a frustrada tentativa de regresso à cidade natal, de carro, pela Rio-Bahia). A relativa reconciliação do protagonista com a “confusão gigantesca” (p. 132) e a “insensibilidade das grandes metrópoles” (p. 161) ocorre, no final do livro, depois de um passeio a pé de Botafogo a Ipanema e do encontro com figuras urbanas emblemáticas (o engraxate, o taxista), que, com histórias pessoais de pobreza, desemprego, resignação e violência, fazem-no reconsiderar sua própria situação: “A cada passo crescia dentro de mim uma nova espécie de torpor. O que é que eu posso fazer aqui fora, no meio de tanta loucura? Os automóveis estão loucos, os táxis estão loucos, os ônibus loucos, as motos loucas, os homens na rua estão loucos. Mas quem está confinado num sanatório? Quem é, oficialmente, com registro e tudo, louco? ” (p. 137). A edição que li (a 4ª, de 2002), contém um prefácio do autor sobre as condições em que o livro foi escrito e publicado (uma entrevista sobre o mesmo assunto pode ser lida no sítio virtual de Antônio Torres).

Tuesday, January 19, 2010

GAIVOTA / GAVIOTA

o velho comparsa Guilherme Darisbo fez outra versão em espanhol do meu pequeno poema "Gaivota" (de "Microafetos", 2005), bastante diferente da que foi feita por Antonio Carlos de Oliveira Barreto e Paula Ruth. sem mais comentários, publico abaixo (para efeito de comparação) o poema original, seguido das duas versões em espanhol.

GAIVOTA

Embora sobrevoe
avenidas e praias
de várias cidades,
atravesse vales
situados longe
e só volte ao mar à noite,
a gaivota gaiata
avista apenas mapas.


Wladimir Cazé


GAVIOTA

Aunque ella vuele
por calles y playas
de tantas ciudades,
travese los valles
muy lejos de aquí
y vuelva al mar solo a la noche,
gaviota chistosa
ve solo los mapas.


Versión en español por Guilherme Darisbo


GAVIOTA

A pesar de sobrevolar
avenidas y playas
de varias ciudades,
atravesar valles
situados lejos
y sólo volver al mar a la noche,
la gaviota payasa
apenas avista mapas.


Versión en español por Antonio Carlos de Oliveira Barreto y Paula Ruth

Wednesday, January 13, 2010



A revista "Bravo!" lançou neste mês de janeiro a edição especial "Bravo! Bahia", enfocando a cultura na Bahia atual. A publicação inclui uma matéria sobre a produção literária contemporânea em Salvador, intitulada "O livro virou Carta e o cordel caiu na rede" e assinada por Ronaldo Jacobina. Eu compareço em dois parágrafos, falando sobre poesia, cordel e os rockcitais de que andei participando no ano passado, juntamente com os parceiros do Corte e da Pastel de Miolos. A reportagem comete um erro grave (o vencedor do prêmio MEC com o livro "Moinhos" foi Mayrant Gallo e não Aleilton Fonseca) e peca pela abordagem superficial, deixando de citar nomes fundamentais, como João Filho (poeta e prosador), João de Moraes Filho (poeta) e Dênisson Padilha Filho (romancista). De qualquer forma, é válida a iniciativa de apresentar um painel da atual produção cultural na Bahia de hoje. Talvez enfim o mercado editorial do Sudeste desperte para o que está acontencendo pelas bandas de cá.

Para ler a matéria,
clique aqui
Quantas vezes (...) já não acordei num quarto de hotel (...) escutando (...) o frêmito do tráfego que passava por mim já fazia horas. Então é esse, eu sempre pensava nessas ocasiões, o novo oceano. Incessantes, em vagalhões, as ondas rolam sobre toda a extensão das cidades, ficam cada vez mais ruidosas, estendem-se cada vez mais além, rebentam numa espécie de frenesi no auge do fragor e correm pelo asfalto e pelas pedras, enquanto novas vagas de ruído desprendem-se de onde eram represadas pelos semáforos. Ao longo dos anos, cheguei à conclusão de que é desse rumor que surge agora a vida que virá atrás de nós e que nos destruirá lentamente, assim como nós destruímos lentamente o que existe há muito antes de nós.

(W. G. Sebald, “Vertigem”, p. 53-54)



Um viajante alemão radicado na Inglaterra perambula solitariamente entre a Áustria e a Itália, registrando pensamentos, recordações pessoais, observações fortuitas, sonhos e anotações sobre pintura e literatura, associados com fotografias, recortes de jornal, cartões postais, bilhetes de trem e outras imagens embutidas no corpo do texto. “All’Estero”, segundo capítulo da obra “Vertigem – Sensações” (1990), de W. G. Sebald, é uma espécie de diário de férias ficcionalizado, de gênero indefinível até para o próprio narrador – como se constata à página 77: “(...) o que eu escrevia naquele momento, (...) eu próprio não sabia direito, mas (...) tinha a crescente sensação de que se tratava de um romance policial”. Dois curtos relatos ficccionais baseados em diários íntimos de personagens reais – “Beyle ou O amor, essa criatura agridoce e irresistível” (conto sobre Stendhal que abre o volume) e “A vilegiatura do Dr. K. em Riva” (sobre Kafka) – têm em comum a abordagem literária da solidão em contraponto com um anseio contínuo e frustrado por amor, fornecendo um tênue fio interpretativo para a compreensão do livro como um todo. O quarto e último texto, porém, “Il ritorno in patria”, desloca novamente o eixo temático de “Vertigem”, agora no sentido do reencontro do narrador com a aldeia de sua infância, na Alemanha do momento imediatamente posterior ao final da 2ª Guerra. A prosa de Sebald segue um percurso quase ensaístico, transitando livremente de uma cena para outra, de um assunto para outro, como se imitasse o pensamento ou a memória em suas digressões involuntárias, nas quais coincidências e acasos têm um peso decisivo.

Saturday, January 09, 2010

Um livro pousou, quase obediente, como uma pomba branca, em suas mãos, as asas trêmulas. À luz mortiça, oscilante, uma página pendeu aberta e era como uma pluma de neve, as palavras nela pintadas delicadamente.” (p. 60)

Os livros saltavam e dançavam como pássaros assados, as asas flamejantes de penas vermelhas e amarelas.” (p. 167)

(Ray Bradbury, “Fahrenheit 451”, tradução de Cid Knipel, Ed. Globo)



A ação do romance “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury (publicado em 1953), transcorre em uma grande cidade dos Estados Unidos, sob um governo tecnototalitário às vésperas de uma guerra nuclear, o qual proíbe a leitura e a circulação de livros e emprega equipes de bombeiros exclusivamente na tarefa de incendiar bibliotecas. Elementos cruciais na composição da trama, os livros comparecem em descrições que os infundem pulsação ou vulnerabilidade, como se se tratassem de animais: “pássaros abatidos” (p. 60), “peixes deixados a secar” (p. 61) ou “um bando de ratos (...) saídos do assoalho” (p. 99) – outros exemplos nas citações do início deste post. No capítulo final, são as pessoas que, ao contrário, se transformam em livros, quase literalmente, ao assumirem as identidades de obras perdidas que estudaram e memorizaram, para transmiti-las pela oralidade a outros indivíduos e, assim, manter de algum modo a tradição letrada de nossa civilização (por exemplo, um ex-professor de política “se torna” a “República” de Platão; outro dedica-se a guardar o “Gulliver” de Swift; e assim por diante).

Friday, January 08, 2010

Para Bárbara


VALSA

Um corpo estelar corre
ao encontro de outro corpo,
cavando órbita no espaço oco,

esbarra em obstáculos líticos,
pedaços de planetas extintos,
passa poços de ar viciado,

espaços sem luz, sem vento,
meteoros parados no tempo,
minúsculos farelos lunares,

mas nada impede o avanço certeiro,
através de todo o universo,
do átomo astral imantado a seu parceiro.


O poema acima é dedicado à minha Barberix, que faz aniversário neste sábado, 9 de janeiro. Na próxima quinta-feira será nosso casamento. Com todos esses motivos para comemorar, gostaria de estar ao lado dela esta noite, para sussurrar ao seu ouvido, com uma voz bem caliente e todo meu portuñol: “la poesía es la unión de um hombre y uma mujer para construir con amor y dolor lo que hace falta para vivir” (Jesús Enrique Barrios).
Uma hormiga no es menos poética que uma estrella, porque en la hormiga también fermenta el cosmos que todo lo contiene. La poesia le da vueltas en la eternidad y la aprisiona como la cáscara al huevo, sin dejar de ser el ovo que inicia y termina adentro y afuera... Como decir lo máximo y lo mínimo.” (Jesús Enrique Barrios, em “De poesía con los poetas”, Fundación Editorial El Perro y La Rana, 2007, p. 20)

Num livrinho do venezuelano Jesús Enrique Barrios com reflexões sobre o ofício da poesia, encontrei a anotação acima, que poderia perfeitamente ser usada como epígrafe em uma edição conjunta dos meus dois livros de poemas, “Microafetos” (2005, Edições K, esgotado) e “Macromundo” (inédito, a ser lançado em 2010 pela Confraria do Vento).

(Aproveito para repetir: um último exemplar de "Microafetos" continua à venda no Sebo do Bac (São Paulo), via Estante Virtual.)
A Terra Crioula é como se fosse uma filha nossa – diz a Sra. Ibéria (...)Assim como a Terra Negra. Ambas pertencem ao mundo que nós criamos. É por isso que nossas relações são tão cordiais, tão afetivas.”

(Antônio Torres, em “Os homens dos pés redondos”, 3ª. Edição, 1999, p. 168)



A ação do romance “Os homens dos pés redondos” (1973), de Antônio Torres, se passa num país imaginário chamado Ibéria, que tem semelhanças tanto com o Brasil do período militar quanto com o Portugal tardiamente sob regime filo-fascista do começo dos anos 70 (às voltas com as guerrilhas por independência em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique). O autor cruza referências e vocabulário lusos (“tasca”, “gajo”) e brasileiros (“meu chapa”, “aipim cozido, cuscuz e canjica”) para criar um espaço ficcional híbrido. “Paname”, nome da “louvada e gloriosa” (p. 132), “efervescente e cortejada” (p. 136) capital de Ibéria, parece aludir à idéia de uma “Panamérica” (e, talvez, ao título do romance de José Agrippino de Paula lançado seis anos antes). Os personagens centrais de “Os homens dos pés redondos” são apresentados conforme sua posição hierárquica na “firma Fernandes & Fernandes, Negócios Bancários”, gradualmente, desde o nível inferior até o mais alto – primeiro o funcionário subalterno Manuel Soares de Jesus, depois seu chefe, o escritor Adelino Alves, e por fim o banqueiro e industrial Fernandes (todos os três de algum modo relacionados com um quarto personagem, o publicitário Estrangeiro, que transita pelos diversos ambientes da história sem pertencer a nenhum deles). A história progride de maneira caleidoscópica, com uma sucessão de trechos de discurso interior (manifestando os pontos de vista de uma galeria de personagens, inclusive de figuras secundárias), diálogos dinâmicos e relatos onírico-alucinatórios.

Monday, January 04, 2010

sertão do mundo

O sertão está em toda parte” (p. 24), “o sertão é do tamanho do mundo” (p. 89), “cidade acaba com o sertão. Acaba?” (p. 183), “(...) Sertão sempre. Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados” (p. 302), “Agora, o mundo quer ficar sem sertão. (...) Se um dia acontecer, o mundo se acaba” (p. 305), “Sertão: é dentro da gente” (p. 325), “Esse sertão: esta terra” (p. 336), “(...) o sertão do mundo” (p. 359), “o sertão é sem lugar”, “Sertão (...) o senhor querendo procurar, nunca não encontra. De repente, por si, quando a gente não espera, o sertão vem” (p. 397), “O sertão é bom. Tudo (...) é perdido, tudo (...) é achado. (...) O sertão é confusão em grande demasiado sossego...” (p. 470), “(...) o mais esse sertão tem de ver, quem mais abre e mais acha!” (p. 471), “O sertão tudo não aceita?” (p. 503), “O sertão aceita todos os nomes (...)” (p. 506), “O sertão não tem janelas nem portas” (p. 511), “(...) sertão são” (p. 514), “o sertão é grande ocultado demais” (p. 521), “o sertão está movimentante todo-tempo (...)” (p. 533), “No sertão tem de tudo” (p. 544), “O senhor faça o que queira ou o que não queira – o senhor toda-a-vida não pode tirar os pés: que há-de estar sempre em cima do sertão” (p. 548), “Sertão velho de idade. (...) o sertão vem e volta. Não adianta se dar as costas. Ele beira aqui, e vai beirar outros lugares, tão distantes. (...) Sertão que se alteia e se abaixa. Mas que as curvas dos campos estendem sempre para mais longe” (p. 558), “(...) longe, longe, até o fim, como o sertão é grande...” (p. 577)

(João Guimarães Rosa, trechos coletados em lenta releitura do “Grande sertão: veredas”, realizada nos dois últimos anos, boa parte da qual a meia voz, na 19ª edição, Nova Fronteira, 2001)