Silva horrida - Guia de cidades

DESCRIÇÃO PRÁTICA E POÉTICA DO TERRITÓRIO OCUPADO

Monday, December 22, 2008

Retrospectiva 2008 - Corte e WC

Pastel de Miolos e WC,
ICBA, Salvador/BA, 22/11/2008

WC e Paulo Scott,
ICBA, Salvador/BA, 30/08/2008


Katherine Funke, WC e Sandro Ornellas,
Teatro Orestes Caviglia,
San Miguel de Tucumán (Argentina),
30/05/2008


Escola de Belas Artes, Salvador/BA, 10/05/2008

Roberval Pereyr, WC, Mayrant Gallo,
José Inácio Vieira de Melo, Lupeu Lacerda,
UEFS, Feira de Santana/BA, 19/03/2008


Gustavo Rios, WC e Katherine Funke, ICBA,
Salvador/BA, 15/03/2008



o enredo do romance-tese sobre o caráter mestiço da sociedade soteropolitana "Tenda dos milagres" (1967), de Jorge Amado, transcorre em dois planos temporais: 1) as primeiras décadas do século XX, que acompanham a formação do herói Pedro Archanjo, etnólogo autodidata e líder da religião afro-brasileira, circulando em torno de um casarão habitado por tipos populares (a Tenda dos Milagres) e situado no "território livre" (p.14) do Pelourinho, onde "tudo pode acontecer e acontece" (p. 80) e que "se transformara no coração, no centro vital de toda aquela parte da cidade, onde se processa, potente e intensa, a vida popular" (p. 90); e 2) os anos 1968 e 1969, quando a obra de Archanjo, praticamente esquecida, é afinal descoberta, reapropriada e deturpada, nas comemorações do centenário do autor patrocinadas pelas forças políticas da "nova Bahia" (p. 105)

Wednesday, November 19, 2008

Lupeu Lacerda alterna 47 micropoemas de versos curtos e 36 prosoemas no livro de estréia "Entre o alho e o sal" (Kabalah Editorial, 2007), anotações líricas de linguagem pop ("sol sonrisal derretendo o rio", as figuras de donald e tarzan, o refrão de "estoura o piano", ps. 126-70), nas quais cartas de baralho e peças de xadrez ("reis", "peões", "rainha" "torre", "cavalos", "valete de espadas") contracenam em uma cidade arquetípica, indefinida no tempo-espaço ("a cidade é sempre outra / na mesma", p. 119; "a cidade de concreto / desmorona/ como um castelo de cartas", p. 31), onde circulam "vampiros" que têm "uma floresta inteira escondida / debaixo do sapato, / do asfalto, do pé" (p. 82) e onde a percepção se adapta ao horizonte turbo-urbano ("microtela da memória", p. 8; "as caras slow motion do metrô", p. 14)

Friday, October 10, 2008

22 de novembro:


Thursday, October 02, 2008

Montei (no Ex Index, meu novo blog) uma pequena seleção da minha produção literária dispersa por vários endereços da internet, com poemas do meu livro "Microafetos" (2005), outros poemas de um possível próximo livro, fragmentos de uma prosa "in progress" (que venho lapidando há muito tempo) e mais alguma coisa. O novo blog ainda está em construção e, enquanto isso, Silva horrida - Guia de cidades, continua operante, prestes a completar quatro anos no ar. Boa leitura!

Monday, September 29, 2008

o poema "Drão de Roma - dezembro caiu" (2007), de Diógenes Moura (publicado em livro com fotografias do autor), dá forma a uma experiência, fortuita e ao mesmo tempo incisiva, de separatismo social no centro histório de salvador, o furto, por um grupo de pivetes, de uma câmera contendo fotos da festa de santa bárbara como ponto de partida para correspondências barroco-pop entre estímulos históricos, místicos, eróticos e eruditos, sinestesia e sincretismo na face de uma cidade dividida em classes que se vitimizam mutuamente através da violência e da desmemória coletiva: "Na terra junto ao mar ninguém vê nada" (trechos XVII e XXXI)

Friday, September 26, 2008

Heitor Dantas é o músico por trás do projeto Associação Mr. Harry Haller e o Samba do Patinho Feio, que lançou em 2007 o disco "Estudos azedos - dez estudos para paladares apurados", totalmente gravado em casa, sem instrumentos musicais convencionais, utilizando apenas samples de sons domésticos reprocessados digitalmente (barbeador elétrico, copos, panelas, etc.). O som é experimental, entre a música eletrônica ambiente e a música erudita. O disco pode ser baixado na íntegra, gratuitamente, no endereço http://www.associacion.blogger.com.br.




Wednesday, September 24, 2008

"Os aposentos em que os escritores (essa subespécie de leitores) se cercam dos materiais de que precisam para seu trabalho adquirem alguma coisa de animal, à maneira de uma toca ou ninho, tomando as formas de seu corpo e oferecendo um receptáculo para seus pensamentos. Ali, o escritor pode fazer a cama entre os livros, ser um leitor monógamo ou polígamo a seu bel-prazer, selecionar um clássico consagrado ou um novato desconhecido, deixar argumentos pela metade, começar por qualquer página aberta ao acaso, passar a noite lendo em voz alta para ouvir o eco da própria voz 'sob o silêncio amigável da lua tácita', nas famosas palavras de Virgílio." (p. 150)

"Um estúdio confere a seu proprietário, a seu leitor privilegiado, aquilo que Sêneca chamava euthymia, um termo grego que, explicava o filósofo, significa o 'bem-estar da alma' e que ele traduzia como 'tranquilitas'. Todo estúdio aspira, afinal, à euthymia. Euthymia, memória sem distração, intimidade da leitura, período secreto do dia comunal - é isso o que procuramos num espaço privado para a leitura." (p. 158-9)

Alberto Manguel, em "A biblioteca à noite" (ensaios)



Thursday, September 11, 2008

Manuel Orlando é outra pessoa no mesmo corpo, passados os anos. O percussionista parece com o cara que ele era tempos atrás, no porte franzino, na pela preta fosca, mas muita coisa mudou nele com a experiência da vida e a prática da arte. Foi freqüentando as sessões musicais do fim da tarde de sábado no museu do Solar do Unhão que ele tomou gosto por bater nas caixas e nos pratos com uma baqueta e com a mão dar pancadas nos tambores, primeiramente como apenas um rapaz na platéia, depois como aprendiz na escola do Pelourinho, onde se destacou pela precisão de seu toque e pela rapidez de suas viradas, sendo então merecedor de uma bolsa de estudos no Canadá. Nunca tinha pensado em morar em outro país, e aproveitou a oportunidade sem pestanejar, apesar do receio do insucesso e do aperto que sabia estar à sua espera em um lugar de temperaturas tão baixas. Por quatro semestres, o conservatório o colocou em contato com ricos conhecimentos e técnicas, enquanto a cidade cartesiana e acolhedora lhe convocava os sentidos a um salto além das convenções da distante terra natal, com amigos loucos e mulheres imprevisíveis em bares em chamas e ruas geladas do hemisfério norte. Se ele gostou da experiência e conseguiu até ganhar algum dinheiro tocando em grupos de jazz e mambo; se ele poderia te desenvolvido uma carreira sólida, por que decidiu voltar ao Brasil ao fim de dois anos? Manuel Orlando sentiu que precisava se ver em seu cenário de origem, convertido em outro ser pela carga acumulada no estrangeiro; sentiu a necessidade de recolocar quem ele agora era no lugar de onde viera, para desse confronto extrair sua verdadeira identidade. E assim, com um chapéu de veludo azul e a barba por fazer, desembarcou no Aeroporto Luís Eduardo Magalhães para recomeçar a vida.

Tuesday, August 12, 2008

(clique na imagem para ampliar)

Friday, August 08, 2008

1.8.2008.

As pessoas falam duoletos, consensos temporários, criados, sobre a base comum da língua inglesa com estilhaços de espanhol e centenas de outros idiomas. Estive em lugares coalhados de placas frontais de estabelecimentos italianos, tailandeses, chineses. No metrô vi gente lendo periódicos indianos, eslavos, latinos, árabes, japoneses. Se eu morasse aqui meu idioleto seria o portospanglish.

2.8.2008.
Para que pudesse existir um mínimo de compreensão nesse labirinto babélico, os quarteirões foram matematicamente alinhados em um sistema urbano abstrato, segundo a simbologia universal dos números. "Essa simplificação radical do conceito é a fórmula secreta que permite seu crescimento infinito sem uma perda correspondente de legibilidade, intimidade ou coesão." (Rem Koolhas, "Nova York delirante", p. 136)

O palco pardo padronizado se descortina diante de mim. A mala de couro de carneiro clonado pousada no canto da sala, torre de roupa amontoada. A cidade-hiperespaço esculpida em compartimentos descontínuos é o mesmo cenário, projetado para a proliferação controlada de seu conteúdo. Cidade com instruções de uso, fáceis de assimilar. A queda d'água pesada de toda semana se despeja sobre a cobertura metálica do prédio. É verão na meca do capitalismo. A fuligem no ar quente e seco se olidifica no suor do corpo. Um atordoamento atávico me ata a meus sete sentidos.

3.8.2008.
Os bairros são organizados para terem vidas paralelas e não dependerem uns dos outros. As vizinhanças são rapidamente rapinadas por aglomerados humanos alienígenas que se acercam dos centros de comércio periféricos, caem no circuito econômico local, prosperam em seus negócios e depois vão embora.

4.8.2008.

"The single most important document in New York City's development is a map printed in 1811 called the Randel Survey of The Commissioneers' Plan. It unveiled a plain to increase the size of the city by 11.400 acres and 'provide space for a greater population than is collected on this side of China.' (...) In 1811, New York was still a 'small but promissing capital which', as characterized by Henry James in Washington Square, 'clustered about the Battery and overlooked the Bay, and of which the uppermost boundary was indicated by the grassy waysides of Canal Street.' North of Canal loomed a rugged wilderness broken only by an occasional farm or small community, such as the village of Greenwich (now Greenwich Village). (...) In May or June 1808, Randel started the project which would occupy him off and on for thirteen years. (...) Randal brought the topographical maps he was drafting of various sections of the island to his regular meetings with the commissioneers. The question of an street plan occupied much of their attention at these meetings: 'whether they should confine themselves to rectilinear and rectangular streets, or whether they should adopt some of these supposed improvements, by circles, ovals, and stars.' The gridiron was then the most popular street pattern and had already been employed in such cities as Philadelphia, Savannah, Charleston, and New Orleans. 'This is a plan oh which Americans are very fond, observed a visitor from Europe. 'All the modern built towns are on this principle.' It certainly had the advantage of being simple to lay out and easy for building construction. When the commissioneers decided on the gridiron for Manhattan, they 'could not bear in mind that a city is to be composed principally of the habitations of men, and that strait sided and right angles houses are the most cheap to build, and the most convenient to live in'. Their plan consisted of a dozen north-south avenues each 100 feet wide, and at intervals of 200 feet were 155 numbered streets 60 feet wide. (...) The natural geography of the island was originally a factor in devising a street system, but there is little evidence in the eight miles of numbered paralell and perpendicular streets and avenues delineated on Randel's map that the topography of the island was even a consideration. (...) In the early nineteenth century, Manhattan was still an island of hills (...) Once the map and plan were approved, the Common Council required elevations taken from each street, and at each intersection a marker placed where the future streets would be constructed. Between 1811 and 1821, Randel and his determined crew placed a three-foot nine-inch-long white marble marker engraved with the street's number at each intersection. Where rocks blocked the way, half-foot iron bolts were affixed to them. In total, 1549 markers and 98 bolts eventually dotted the landscape of the island. (...) The plan for Manhattan that Randel and the commissioneers devised is still virtually intact. A few significant changes have been made to it over the years - Broadway, for example, which was not included in the Commissioneers' Plan, could not be eliminated, and Central Park was added in the 1850s - but the monotonous straight street of New York City are the legacy of the Randel Survey'. (Paul E. Cohen and Robert T. Augustyn, "Manhattan in maps: 1527-1995", Rizzoli, 1997, ps. 102-105)."[In] 1851 (...), New Yorkers decided they needed a large park. (...) In January 1852 (...) the Special Commitee On Parks recommended the creation of a much larger park between Fifth and Eight Avenues, from Fifty-ninth to 106th street: 'Central Park will include grounds almost entirely useless for building purposes, owing to the very uneven and rocky surface.' " (p.126)

5.8.2008.

O Central Park é uma ilha de verde no coração do mar de cimento. "Manahatta" is the Indian (Manate) word for "island of the hills" and is variously translated as "hilly island" or "the small island'. "Trickling through the hills were trout streams and fishing holes. Certain New York City street names recall the time when Manhattan was abundant with water ways. (...) Canal Street was a swampy place that at very high tides separated Manhattan into two islands." (Paul E. Cohen e Robert T. Augustyn, "Manhattan in maps", p. 139). "Central Park had been completed in 1876", "The uniting of Brooklyn and Manhattan, preceded by the annexation of parts of the Bronx in 1874, marked the first steps in creating Greater New York City" (p. 142). "On January 1, 1898, Greater New York City had been created by consolidating the largest and third-largest cities in America. (...) The less-developed boroughs of Queens, Staten Island, and the remaining sections of the Bronx also became part of Greater New York." (p. 144) "Subway service began on October 27, 1904 (...) By 1905, construction reached the Bronx (...) and in 1908 three boroughs, including Brooklyn, were connected." (p. 148-149)

"The historical atlas of New York City", by Eric Homberger: "In the 1790s the City Surveyor, Casimir Goerck had laid out larger parcels of civic land on regular grid pattern. When the city requested the state legislature to appoint commissioneers to lay out a plan for the development of the whole island in 1806, it was probably clear that a plan akin to Goerck's grid design would be followed. The commission took four years to complete the plan: a simple rectilinear grid was to be extended over all existing rights of way, agriculture holdings, hills, waterways, marshes, and houses. Broadway survived the plan, but little else was allowed to remain. It was an extension of a city which had grown largely without either plan or central direction. (...) The rationale was economic: regular-shaped plots, right-angled intersections, valuable corner lots and straight streets would encourage the city's economic development" (p. 68)

7.8.2008.
Zona franca. Piet Mondrian's "Broadway Boogie Woogie" (1942-43), no Moma: "Bands of stuttering chromatic pulses, paths of red, yellow, and blue interrupted by light gray suggest the city's grid and the movement of traffic, while the stacatto vibration of colours evokes the synchopation of jazz and the blinking electric lights of Broadway."

Saturday, August 02, 2008


meu folheto de cordel "A filha do Imperador que foi morta em Petrolina" (o de capa amarela, no lado direito da foto acima) participou da mostra sobre literatura de cordel do Poesiefestival Berlin, no foyer da Akademie der Kunste, na capital alemã, de 5 a 13 de julho de 2008. curadoria: Timo Berger e Anke Hoffman. foto: Timo Berger

Thursday, July 31, 2008

21.07.2008
(...) cidade (...) que funciona como uma engrenagem de povos e dinheiro. Williamsburg é o pedaço boêmio em voga nestes tempos, "Endtroducing" e Coronas Extra no bar café Juliette. Na Times Square me sinto esmagado pela grandiosidade de tudo. Não é bem uma praça, mas um grande cruzamento de avenidas e letreiros luminosos com anúncios e notícias atravessando uns aos outros. Painel de Roy Lichenstein (1996) no hall de um arranha-céu a caminho do East Side. Alice-estátua no Central Park, sentada no enorme cogumelo de bronze, o Coelho e o Chapeleiro a seu lado, crianças montando a escultura de metal. (...) do alto do teleférico (aerial tramway) sobre o Canal Oeste, a caminho da ilha Roosevelt. A sensação de mobilidade que a cidade proporciona se intensificou em mim, com a rápida subida ao ponto de vista elevado na escuridão recortada pelas luzes dos prédios. (...)

24.07.2008
(...) a obrigatória Liberdade estática sob o céu fechado. Decidi subir a Broadway desde a Wall Street; a caminhada foi até Union Square. Na Division of United States History, Local History and Genealogy da New York Public Library, leio sobre o breve período em que Nova York foi a capital dos Estados Unidos (de 4 de março de 1789 a 30 de agosto de 1790). A informação está no livro ilustrado "Manhattan maps: 1527-1995", de Paul E. Cohen e Robert T. Augustyn (editora Rizzoli, 1997). A Broadway costumava se chamar Great George Street a partir da Ann Street, mas essa denominação duraria somente até 1794. A baixa Broadway era uma trilha nativa dos índios Lenape que seguia a linha de maior altitude, evitando pântanos e afloramentos de rocha. A segunda informação está no livro "The historical atlas of New York City", de Eric Homberger (Henry Holt Company, 1994). A construção de uma ponte sobre o Collect Pond, em 1780, à altura da atual Canal Street, permitiu que a Broadway continuasse a crescer para o norte. Seu nome holandês, por volta de 1640, era Heerewegh (long highway).

25.07.2008
Hoje à tarde percorri partes do East Village até Chelsea. É uma região de Manhattan com muitos prédios baixos, de até quatro andares, fachadas de tijolos amarronzados, que evocam outras épocas com a presença reduzida de edifícios pós-modernos. Tento tirar o melhor proveito de meu tempo em superfície, já que a dependência do metrô para deslocamentos rápidos me obriga a estar por longos minutos debaixo da terra. Vou pelas ruas e avenidas catando jornais gratuitos nas caixas de plástico coloridas, estrategicamente amontoadas nas esquinas mais movimentadas. Persigo minha própria forma de me introduzir no formigueiro humano, uma sociedade que parece obcecada pela autocontemplação (...)

26.07.2008
Vista a partir do Brooklyn, a parte sul da ilha de Manhattan é a fortaleza envidraçada de um império multi-étnico, à noite um presépio de estrelas, de dia joalheria em ação. As ruas subterrâneas do metrô são prolongamentos das ruas ao ar livre. A magnitude das construções principais me intimida e deteriora minha noção de espaço-tempo. (...) Um diário de viagem a Nova York deve começar pela perplexidade da viagem a uma cidade-estado sagrada. A lógica que confere mágica à personalidade de Nova York é a arte de permanecer sempre a mesma e de estar sempre diferente. (...) Sugadouro de dólares. Apátrida nação. Paraíso da junk food.

27.07.2008
Ocean Beach, na Fire Island, Suffolk, NY. Ondas de vinte em vinte segundos no Atlântico Norte. (...) Somos gângsters ciganos furando moleskines e usando óculos ray ban em território estrangeiro.

29.07.2008
Vertemos nossas colunas vertebrais sobre o teclado, posicionando os pares de câmeras de nossos olhos no contrafluxo da videoteca universal, restaurando memórias premonitórias do nosso mundo manifesto. Já se passaram sete dias desde um meio-dia numa calçada em Astoria, Queens; eu já quis estar em mais de um lugar ao mesmo tempo, já vi gente comendo em trânsito; peguei o trem pro leste, de Jamaica pra Babylon.

30.07.2008
A cidade de tijolos amarronzados à altura do peito, de ônibus sobre uma ponte podemos apreciá-la em sua magnitude. À nossa volta, os descolados sustentados por pais que foram yuppies bem-sucedidos: estamos em Williamsburg. Coleto todas as publicações que encontro pela frente, atento para o ethos dessa geração de novaiorquinos. As duas torres de 110 andares, riscadas do mapa, são a grande presença ausente da ilha transnacional de Manhattan. O sertão vai virar Mãe Ratã, ratazana-Roma, glocaldeia sem água.

Friday, July 18, 2008

vou para onde é verão

"Viajar, para que e para onde,
se a gente se torna mais infeliz
quanto retorna? Infeliz
e vazio, situações e lugares
desaparecidos no ralo,
ruas e rios confundidos
(...)

Mas ficar, para que e para onde,
se não há remédio, xarope ou elixir,
se o pé não encontra chão onde pousar,
(...)
se viajar é a única forma de ser feliz
e pleno?
"

(Waly Salomão, "Poema jet-lagged", do livro "Algaravias", 1996)

"(...) acontecimentos imprevisíveis de todos os tipos estão à espera, de tocaia, para te surpreender e te fazer ficar satisfeito simplesmente por estar vivo para presenciá-los (...)"

(Jack Kerouac, "On the road", p. 171 da da 1a. edição na Coleção L&PM Pocket)

"A apropriação e a transformação dos textos anteriores, para produzir um novo texto, não é evidentemente um privilégio das literaturas latino-americanas. Mas o intertexto é, para estas, uma espécie de fatalidade, o destino daqueles que vieram tarde demais, quando tudo já parecia ter sido dito. (...) A imitação é então substituída por um exercício voluntário e abusado de plágio e de colagem."

(Leyla Perrone-Moisés, "Vira e mexe, nacionalismo - Paradoxos do nacionalismo literário", p. 125)

nos ensaios, conferências, notas de cursos e artigos contidos em "Vira e mexe, nacionalismo" (2007), leyla perrone-moisés demonstra como conceitos estanques como "identidade nacional", "centro" e "periferia", entre outros, podem ser relativizados em favor de concepções mais abrangentes de cultura e pertencimento.

"(...) o presente e o passado como um espaço de simultaneidade, sincrônico, onde o novo que se faz hoje dialoga perfeitamente com o novo que se fazia ontem, num território a-temporal ou sobre-temporal (...)"

(Haroldo de Campos, em "Aspectos da poesia de vanguarda no Brasil e em Portugal", entrevista de Haroldo de Campos a E. M. de Melo e Castro, publicada no livro "Ruptura dos gêneros na literatura latino-americana", p. 51)

Thursday, July 10, 2008

Ode à cidade de Nova York em estilo coloquial

"Aqui está Nova York", de Elwyn Brooks White, proporciona uma viagem no tempo a uma Nova York que, no final dos anos 40, vivia um momento de transformação constante, prosperidade e confiança no futuro. Considerado um dos melhores livros sobre a cidade-símbolo do capitalismo e do charme do american way-of-life, o texto - escrito no Verão de 1948, “durante uma onda de calor”, e originalmente publicado em forma de artigo na revista Holiday - tem tradução de Ruy Castro, traça um retrato certeiro da metrópole e dispara: a solidão e a privacidade são as principais “dádivas” que ela oferece a seus habitantes.
White tinha morado lá na juventude, quando era apenas um aspirante a escritor, deslumbrado com o fato de estar na mesma ilha que a poeta Dorothy Parker. Para escrever "Aqui está Nova York", deixou sua fazenda no interior do Maine, para onde se mudara em fins dos anos 30, e instalou-se durante alguns dias num quarto de hotel no centro, a 33 graus, sem ar-condicionado. Enquanto isso, andava por Manhattan, observando tudo. O leitor acompanha o autor em suas perambulações algo nostálgicas por lugares célebres, como Central Park, Broadway, Greenwich Village e a estação de metrô Grand Central (um “mafuá”, segundo White).
Ele descreve em tom saudoso as alterações ocorridas na paisagem de bairros e quarteirões que lhe eram familiares. Suas lembranças incluem personagens que tinham ido embora (Hemingway, Whitman) e ruas e prédios que não existiam mais. “A Broadway mudou num aspecto”, anota. “Costumava ter uma discernível estrutura óssea sob sua superfície brilhante; mas os luminosos são agora tão grandes que os edifícios, lojas e hotéis parecem ter desaparecido sob as luzes e letras em néon.”
Com o olhar atento para detalhes reveladores desse tipo (uma jovem italiana penteia o “longo cabelo preto-azulado”; um solo de trompete soa ao mesmo tempo que a sirene da chalupa Queen Mary), o autor compõe uma ode a Nova York em estilo coloquial. O resultado pode ser classificado como equivalente ao que no Brasil se conhece como crônica: um registro informativo e poético do cotidiano.
E. B. White (1899-1985) nasceu em Mount Vernon, no estado de Nova York, formou-se pela Universidade de Cornell e trabalhou como jornalista nas revistas Harper’s Magazine e The New Yorker. Consagrou-se como autor de livros infantis, entre eles "Stuart Little", de 1945, que foi transformado há três anos em um filme que acaba de ganhar uma seqüência.

Resenha publicada no caderno Folha da Bahia, do jornal Correio da Bahia, em 06/10/2002

Thursday, July 03, 2008

trechos do caderno "van gogh"

28.06.2008.
Subsídios para "Silva horrida". Aproveitei a vinda ao Rio de Janeiro, em função da entrevista no Consulado Norte-Americano para obtenção do visto de turista, para fazer pesquisas na Biblioteca Nacional. Encontrei o livreto "Os nordestinos em Sâo Paulo - Depoimentos" (Ed. Paulinas, 1982). Alguns trechos: "a roça lá também é poluída, é igualmente São Paulo. (...) a poluição da roça é que as pessoas não são todas bem tratadas, igualmente o pessoal da cidade. As crianças não são bem tratadas como as que mora na cidade. A água que se bebe não é bem cuidada como a água da cidade. (...) O trabalho é na agricultura e a pessoa se corta, se fura (...). Eu pensei que deveria partir para outro lugar, para ficar mais insufocado, mais à vontade" (depoimento de Lourinho, p. 18). O livro transcreve diálogos entre moradores de Cajamar, a 29 km de São Paulo capital, nordestinos de Ipirá, Bahia, operários metalúrgicos ou trabalhadores em frigoríficos. Sobre o motivo da decisão de migrar, Júlio fala da "propaganda de que Sâo Paulo é isso, é aquilo" (p. 26). Depoimento de Margarida: "Na hora de pegar a condução pensei: 'Vou ou fico, vou ou não vou? Vou me dar bem ou vou me dar mal?' Mas eu falei: 'Sempre tive essa idéia de ir, eu vou. Todo mundo vai e consegue, porque tem vontade consegue lutar e vencer, por que é que eu não vou?'" (p. 26).


30.06.2008.
Novamente na Biblioteca Nacional. Folheio "Sertanejos contemporâneos: entre a metrópole e o sertão", de Rosani Cristina Rigamonte (Humanitas/USP, 2001) (...). À p. 118, Rigamonte aborda "a iniciativa de um grupo de amigos destinada a sanar as dificuldades de transporte rodoviário entre certas regiões do sertão da Bahia e São Paulo. Esse grupo, formado por antigos migrantes, percebendo o grande afluxo de então [anos 60], inauguraram [sic] uma verdadeira ponte entre esse dois pólos. Adquiriram algumas camionetas (modelo: peruas kombi, da marca Volkswagem [sic]) e criaram uma linha Nordeste-Sudeste-Nordeste ligando os municípios da região de Vitória da Conquista (...) com São Paulo. Em pouco tempo tinham um cronograma completo com datas e horários". Mais adiante: "Os referidos caminhoneiros realizam um pouco o sonho de todos os que partiram e de todos os que ficaram. Podem estar em São Paulo, viver em São Paulo, mas com apenas dois dias de viagem retornam ao sertão baiano, entregam suas encomendas, revêem os amigos, os parentes, recebem notícias, matam saudades e, mais dois dias, pronto, já estão em São Paulo de novo. Estão sempre em contato com os dois mundos, o daqui e o de lá" (p. 122). E ainda: "Muitos consideram como positivo o intercâmbio entre São Paulo e a terra natal (...). Sobrando poucas alternativas para uma fixação definitiva no sertão, o constante movimento de ir e vir acaba se tornando uma estratégia para aproveitar melhor as oportunidades onde elas estiverem. O que fica claro é que estes indivíduos adquirem mobilidade mediante a adaptação à dinâmica dos dois universos. Depois de organizado e conhecido [sic] os mecanismos de inserção na metrópole e no seu mercado de trabalho, não há mais muitas dificuldades para reiniciar o processo. É possível estar no sertão quando necessário, e também retornar à metrópole no momento do trabalho (p. 139). Depoimento de Belizário, 54, que "chegou pela primeira vez a São Paulo no ano de 1959": "No princípio a gente faz de tudo e precisa aprender, é muito sofrido. Mas depois que pega o jeito, a cabeça abre mais, e aí tudo se desenrola, parece que a gente ganha mais força para viver estar vida. Aprendi a andar na cidade, a procurar emprego, e ainda aprendi o caminho de ida e volta da minha terra. Então ficou tudo muito mais fácil" (p. 140). Outro trecho: "Os frequentadores da Praça Silvio Romero (...) participam de certa forma de ambos os pólos, e otimizam as oportunidades de uns e de outros [sic]: quando é época de seca no Nordeste, aproveita-se da oferta de trabalho em São Paulo; o período de chuvas é utilizado para o trabalho na roça; e quando é férias em São Paulo, é momento de festa no sertão. O ano compõe-se de momentos de pico revezados entre São Paulo e sertão" (p. 161). Folheei também, muito por alto, o livreto "Brasileiros na Hospedaria de Imigrantes - A migração para o Estado de São Paulo (1888-1993)", localizando a seguinte informação: "A Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo, através do Departamento Estadual do Trabalho criou, a partir de 1939, em duas cidades mineiras - Pirapora e Montes Claros - postos avançados, onde os migrantes eram recrutados. A primeira, porto fluvial do Rio São Francisco, recebia nordestinos procedentes de vários Estados que chegavam àquela cidade, via Juazeiro (Bahia) e Petrolina (Pernambuco)" (p. 23). O livreto contém resumo de trechos da tese de doutorado "Caminhos cruzados: a migração para São Paulo e os dilemas da construção do Brasil moderno nos anos 1930/50", defendida no Departamento de História, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, em abril de 2000, por Odair da Cruz Paiva. O livreto citado foi publicado pelo Memorial do Imigrante/Museu da Imigração em 2001. Há um depoimento de um certo senhor Afonso da Silva às páginas 41 e 42: "Eu vim de Senhor do Bonfim, Estado da Bahia. Ali em 1938, 1940 ia algumas pessoa daqui [São Paulo] pra lá e chegava lá e dizia que aqui era uma beleza (...) que aqui era bonito, tinha muito dinheiro (...) e aquilo acabou me atraindo. (...) aí em 1948 eu saí de lá de Serrinha, de Serrinha pegamos um caminhão que tinha umas tábua e tinha uns assento e tinha uma lona por cima que aquilo era os ônibus que existia naquela época (...) era os pau-de-arara (...) então de lá eu fui até Feira de Santana, fiquei um dia numa pensão, no outro dia pegue [sic] um trem, desci em Jequié, fiquei lá três dias na pensão esperando caminhão, esse caminhão veio até Montes Claros (...) e de lá para São Paulo. São Paulo a gente chegava aqui, todo mundo conhecia a estação Roosevelt, naquela época era a estação do Norte, que todo mundo que era do Norte vinha ali (...)".
"Casas fechadas, terras abandonadas. Agora o verdadeiro dono de tudo era o mata-pasto, que crescia desembestado entre as ruas dos cactos de palmas verdes e pendões secos, por falta de braços para a estrovenga. Onde esses braços se encontravam? Dentro do ônibus, em cima dos caminhões. Descendo. Para o sul de Alagoinhas, para o sul de Feira de Santana, para o sul da cidade da Bahia, para o sul de Itabuna e Ilhéus, para o sul de São Paulo - Paraná, para o sul de Marília, para o sul de Londrina, para o sul do Brasil. A sorte estava no sul, para onde todos iam (...)"

(Antonio Torres, "Essa terra", p. 89)


dividido em quatro partes - "Essa terra me chama", "Essa terra me enxota", "Essa terra me enlouquece" e "Essa terra me ama" - o livro do escritor baiano (lançado em 1976) "tematiza o retorno do nordestino que fracassou em São Paulo" (segundo definição de Marco Antonio Villa em "Vida e morte no sertão", p. 15). a narrativa polifônica, entrecortada, alterna as vozes do filho que migrou e retorna depois de 20 anos ("não sei se volto ou se fico. Acho que agora tanto faz. Porque o tempo que comeu o meu chapéu de palha, agora está comendo o lugar que deixei em São Paulo", p. 124), do filho que ficou, do pai e de vários outros personagens. a partir do terceiro capítulo, o romance efetivamente "enlouquece", acentuando seu caráter fragmentário e incorporando a confusão mental da mãe e a desagregação familiar à composição textual.

Monday, June 16, 2008

SAN MIGUEL DE TUCUMÁN, MAIO DE 2008

Mapa turístico de San Miguel de Tucumán

"Desde que se fue
triste vivo yo,
caminito amigo,
yo tambien me voy
"

("Caminito", tango de
Gabino Peñaloza
e Juan Filiberto, 1926)

Também em San Miguel de Tucumán, Argentina, é conhecido o mercado de livros usados da calle de Santa Fe, Buenos Aires, entre as estações Plaza Italia e Palermo. Eu, Sandro Ornellas e Katherine Funke chegamos até lá por acaso, em nosso apressado passeio de apenas três horas na capital argentina, dispostos a aproveitar o tempo livre entre dois vôos e guiados por nossa intuição detectora de especiarias, farejando obras de Cortázar e Borges, depois de descer de um táxi, na Plaza Julio Cortázar, e de percorrer toda a calle Jorge Luis Borges.
Mas como fomos parar em Tucumán? Pela literatura, como não podia deixar de ser.
Participamos da noite de encerramento do evento literário Mayo de las Letras, na sede do Ente Cultural de Tucumán, órgão cultural do governo da província, que nos convocou, juntamente com a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, para apresentar um recital de literatura baiana. Nosso grupo de escritores C.O.R.T.E. (sigla de Cazé, Ornellas, Rios e Trindade) - desta vez sem dois dos cinco componentes (Gustavo Rios e Lima Trindade) - apresentou-se na noite de 30 de maio, no Teatro Orestes Caviglia, que fica no mesmo prédio do Ente Cultural. (...)
Todos os textos foram lidos em português. Pedimos à organização do evento que distribuísse cópias do programa do recital (também em português) a todo o público, como uma forma de facilitar a compreensão do que seria apresentado naquela noite. A barreira linguística, no entanto, não impediu que a comunicação se efetuasse, principalmente pelo papel de mestre-de-cerimônias desempenhado com habilidade por Katherine, que fala espanhol fluentemente. Durante o recital, ela conversou com a platéia, disse gracejos, anunciou o nome dos autores e, a meu pedido, fez uma breve explicação sobre o que é a literatura de cordel. Conforme tínhamos combinado, ela também convidou um voluntário da platéia a subir ao palco e dizer um poema de sua autoria (ofereceu-se um jovem de 18 anos, que recitou de memória). Depois da apresentação, que durou cerca de 30 minutos, as pessoas que nos abordaram disseram que, apesar de não compreenderem o português, tinham gostado do espetáculo, tinham conseguido entender algumas palavras e tinham, pelo menos, captado a atmosfera de cada texto, construída pela musicalidade da língua, pela entonação dos poetas em cena e pela música de fundo executada por Katherine.
San Miguel de Tucumán foi construída de acordo com a "traza", o plano uniforme que a colonização espanhola seguiu na América para a edificação de suas cidades: "A construção da cidade começaria sempre pela construção da chamada praça maior. (...) A praça servia de base para o traçado das ruas: as quatro principais sairiam do centro de cada face da praça. De cada ângulo sairiam mais duas, havendo o cuidado de que os quatro ângulos olhassem para os quatro ventos." (Sérgio Buarque de Holanda, "Raízes do Brasil", 13ª edição, p. 63). Ou: "uma grande praça no centro, uma grade de ruas perfeitamente retas que se estendiam dali em todas as direções, formando quarteirões quadrados ou retangulares (...) A cidade da América espanhola podia assim crescer indefinidamente através da expansão da traza, mantendo ao mesmo tempo a estabilidade quase total do centro" (Suart B. Schwartz e James Lockhart, "A América Latina na época colonial", p. 93)
A brevidade de nossa passagem pela cidade (apenas dois dias, com uma agenda apertada) não permitiu que explorássemos nada além de uma pequena fração da tal "estabilidade quase total do centro", já que o hotel que nos hospedou distava apenas três ou quatro quadras da sede do Ente Cultural. Da mesma forma, o contato que tivemos com a cultura e a literatura local foi rápido e pouco profundo. Conhecemos alguns escritores veteranos e iniciantes e trocamos livros com eles. Esse primeiro contato, porém, provocou em nós um interesse pela produção literária local e uma identificação mútua que certamente dará continuidade, via internet, ao intercâmbio já iniciado.
Nosso anfitrião durante a estadia em Tucumán foi o professor Ricardo José Calvo, atual diretor de letras do Ente Cultural de Tucumán. Ele tem pouco mais de 40 anos de idade, viveu metade desse tempo em Buenos Aires e metade em Tucumán. Especializou-se em linguística, particularmente na análise da estrutura do discurso político. Escreve ficção e dramaturgia. Calvo convocou alguns escritores tucumanos para um encontro conosco, na manhã do dia 30, na biblioteca do Ente Cultural, no primeiro andar. Foi assim que conhecemos Inés Aráoz, Liliana Maldonado de Bliman, José Miranda Villagra e o jovem Joaquín Acevedo.
Liliana Maldonado de Bliman nos presenteou com "Dishos y pishos - Cuentos e refranes" (editado pela tucumana Associación Argentina de Lectura, 2006), escrito em parceria com Jacobo Cuño. De ascendência judia, seu livro é uma compilação de costumes, lendas, receitas culinárias e expressões típicas da comunidade sefardita (de descententes de judeus) tucumana.
Apesar de não ter dito palavra durante a reunião e de ter se retirado cedo, o compositor, cantor, escritor e folclorista José Miranda Villagra nos marcou pela obra que escreveu e nos entregou. O alentado volume "El folclore, en el lenguaje, la esencia y el amor" (publicado pela tucumana Ediciones El Graduado, 2005) parece ser um trabalho de cunho didático, dedicado a situar as tradições populares argentinas e tucumanas no cenário contemporâneo: "El peligro latente que se cierne sobre esta disciplina y su objeto o motivo de estudio, identificado con los fenómenos folclóricos, como derivación de un acontecimiento mundial, reconocido como el fenómeno de la globalización" ("Prefacio", p. I). Preocupação que permeou toda a conversação com os escritores tucumanos e com a qual comungamos, bem como muitos artistas e pesquisadores brasileiros e baianos.
Inés Aráoz, 62 anos, é uma intelectual mais ligada à tradição literária ocidental canônica, com forte presença da literatura russa em seu trabalho (aparentemente, ela descende de russos). Trouxemos dois livros dela: "Balada para Román Schechaj" (2006) e "La comunidad - Cuadernos de navegación" (2006), publicados respectivamente pelas editoras Ediciones del Copista (sediada na cidade de Córdoba) e Nuevohacer (Buenos Aires). Inés participou do júri que elegeu os textos premiados no concurso literário integrante do evento Mayo de las Letras.
O jovem Joaquín Acevedo é estudante de literatura e conhece a literatura brasileira mais do que todos os outros escritores veteranos com quem conversamos, demonstrando grande interesse por nosso trabalho. Acevedo disse já ter lido traduções de Guimarães Rosa, citou Graciliano Ramos e, em poucos instantes, pôde reconhecer a influência da poesia concreta no livro de Sandro Ornellas. Acevedo teve uma participação importante nessa reunião literária matutina: com seus conhecimentos de português, ajudou-me a traduzir um poema de meu livro "Microafetos" para o grupo, que não compreende nossa língua. A experiência de ler esse poema em voz alta, bem como um trecho de meu folheto de cordel "A filha do Imperador que foi morta em Petrolina", para um grupo de escritores de outro país, falantes de outra língua, foi um momento de enorme satisfação para mim. Nesse momento, percebi a importância de manter uma troca de informações com escritores de fora do Brasil e o potencial de uma ponte cultural como essa, e decidi preparar, nos próximos meses, uma edição traduzida para o espanhol de meu folheto de cordel.
Essa percepção se aprofundou após o recital do dia 30, quando travamos contato com alguns escritores jovens ganhadores de prêmios no concurso literário integrante do Mayo de las Letras: Jorge Nicolás Tolosa (primeiro colocado no Género poesía), Federico Miguel Soler (terceira menção honrosa no gênero conto), María Eugenia Méndez (também atriz, primeira menção honrosa em poesia) e Marcos Bauzá (também artista plástico, segunda menção honrosa em poesia). Com os dois primeiros, tivemos maior aproximação, convidados que fomos, por eles, a participar da comemoração que fariam após a entrega dos prêmios. Nessa comemoração, fizemos um mini-recital informal, e pudemos escutar alguns versos de Nicolás Tolosa (meditativos, com um cunho espiritual e beatnik) e de Federico Soler (surrealistas, verborrágicos). (...)
Foi uma grande responsabilidade, uma honra e um desafio representar a Bahia (e o Brasil, já que todos os outros participantes do evento eram argentinos) num evento internacional. (...) A viagem a Tucumán ficará para sempre em minha memória também porque foi nela que, pela primeira vez, preenchi o campo “profissão” da ficha de check-in de um hotel com a palavra “escritor”.

Tuesday, June 10, 2008

um exemplar (o último que tinha sobrado da tiragem de 600 cópias feita em 2004) de meu folheto de cordel "A filha do Imperador que foi morta em Petrolina" será exposto numa mostra sobre literatura de cordel dentro do Poesiefestival Berlin, que acontece no foyer da Akademie der Kunste, na capital alemã, de 5 a 13 de julho. considerado o maior evento do gênero na Europa, o Poesiefestival Berlin começou em 2003 e homenageia em 2008 a poesia em língua portuguesa com uma programação que inclui música, dança, performance e artes visuais. a curadoria da mostra de literatura de cordel é de Timo Berger.


Tuesday, May 27, 2008

"O 'entre-lugar' do imaginário agrário e urbano da cidade é até hoje referência ambígua em várias narrativas literárias e cinematográficas. O espaço cosmopolita é narrado como plural: diverso e/ou adverso, principalmente ao enfocar personagens 'estrangeiros', como os migrantes nordestinos. Nos enredos aparece a imagem da cidade empreendedora e trágica do 'capitalismo selvagem' (...); ao mesmo tempo, é uma imagem que desafia e desafina o discurso trágico com personagens líricos de extremo humanismo, sendo um contra-ponto irracional/racional no sistema capitalista, agenciando nos centros e periferias as forças telúricas e tradicionais da cultura rural dos migrantes (...)" (ps. 19-20)

(Cláudio C. Novaes, "Uma introdução longa-metragem", in: "Cinema sertanejo - O sertão no olho do dragão", Edições UEFS/MAC, 2007)
"Diferentemente das outras secas, a de 1951-1953 acabou impulsionando o fluxo migratório do Nordeste em direção ao Sul, principalmente para São Paulo, Rio de Janeiro e o oeste do Paraná (...). A melhoria dos meios de transporte, especialmente do transporte rodoviário, facilitou a viagem em busca de uma vida melhor, longe do latifúndio, da prepotência dos coronéis e do flagelo da seca. (...) Utilizando-se de vapores, que percorriam o rio São Francisco até Pirapora, de trens e de caminhões, centenas de milhares de nordestinos deslocaram-se para o Sul, sem nenhum apoio oficial, na maior migração da História do Brasil. (...) A avalanche foi espontânea e surpreendeu os governos. A estrada Rio-Bahia transformou-se no maior conduto dessa migração. A cada dia, dezenas e dezenas de caminhões, transportando de setenta a noventa pessoas em média, seguiam para o Rio de Janeiro e para São Paulo - cobravam-se, em média, 500 cruzeiros pela passagem (...). As péssimas condições da estrada, a superlotação dos caminhões, a falta de infra-estrutura à beira da Rio-Bahia acabaram dando tinturas épicas a esse movimento migratório. (...) a viagem durava entre oito e catorze dias (...)" (p. 170-171)

"(...) cada sertanejo assumia para si o enfrentamento da miséria secular: em vez de se travar na região um confronto com os poderosos, a migração transplantou para o Sul (...) a luta de classes. O sertanejo, agora como operário e participante da sociedade de massas, passava a ser um agente da História - com todas as limitações oriundas do populismo - no pólo mais dinâmico da economia capitalista brasileira" (p. 176)

(Marco Antonio Villa, "Vida e morte no sertão - História das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX")




"Vida e morte no sertão - História das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX", de Marco Antonio Villa (Ed. Ática, 2000, 274 páginas) reconstitui décadas e décadas de agruras do povo, descaso dos governos, saques, doenças e migrações coletivas, numa reincidência que induz o historiador a constatar, ao término de sua narrativa (no ponto em que começa a gestão Figueredo): "Os fatores de conservação transformaram o semi-árido em uma região aparentemente sem História, dada a permanência e imutabilidade dos problemas. Como se com o decorrer das décadas nada tivesse se alterado e o presente fosse um eterno passado" (p. 252).

Friday, May 23, 2008

Eu, Sandro Ornellas e Katherine Funke faremos um "Recital de Poesia Baiana" no encerramento do evento Mayo de Las Letras, na cidade de San Miguel de Tucumán, noroeste da Argentina, na sexta-feira, 30 de maio de 2008, às 20h30, na Sala Caviglia (Rua San Martín, 251). Lerei trechos de meu folheto de cordel "A filha do Imperador que foi morta em Petrolina" (de 2004) e de poemas de Gregório de Mattos e fragmentos de contos dos bróders Gustavo Rios, Patrick Brock e Paulo Bullar. Sandro lerá poemas da própria lavra e versos de Waly Salomão e Lupeu Lacerda. Na trilha sonora do recital, Katherine vai tocar violão elétrico e também cantar um pouco. Na véspera, no mesmo local, às 20h, Sandro Ornellas, que além de poeta é professor de letras da UFBA, apresentará a palestra “Literatura baiana: Entre 'regionalismo' e 'cosmopolitismo' ”, tratando do cenário atual das letras em nosso estado. Quem nos leva é a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, com apoio do Ente Cultural de Tucumán. Hasta la vista!

Wednesday, May 07, 2008

MÃE NATUREZA VIVA

A Mãe Natureza Viva
passa, pássara de água,
por entre ondas de fogo,
carregando seu caçula
(no casulo sob as asas)
para o ninho e o repouso.

Valente, a ave defende
das ameaças do mundo
o pequenino rebento.
Frutas extrai dos cabelos
para servir de sustento.
À noite, vela-lhe o sono.

Quando o planeta amanhece,
ao infante ela oferece
interestelar alimento.


Wladimir Cazé © 2008


Acrílico sobre tela: Ery Cruz

Tuesday, April 29, 2008

o bioma caatinga ocupa uma área de 1.037.000 quilômetros quadrados (cerca de 12% do território brasileiro), abrange 1.280 municípios em nove estados (PI, CE, RN, PB, PE, AL, SE, BA e parte de MG) e conta com 28 milhões de habitantes (16% da população do país). "Dos 500 menores IDH municipais do Brasil, 306 são de municípios do Bioma Caatinga, representando 47,5% desta faixa indesejável de exclusão social, mesmo tendo menos de 20% dos municípios" (in: "A flora do Raso da Catarina", Arthur Lima da Silva & Wbaneide Martins de Andrade, p. 81 de "As caatingas - debates sobre a ecorregião do Raso da Catarina", Editora Fonte Viva, 2007, livro-produto de um seminário realizado nos dias 27, 28 e 29 de abril de 2007, em Paulo Afonso/BA, com pesquisadores da fauna, da flora e das populações da região).


"(...) a literatura regionalista glorifica a figura do sertanejo, apropriando-se de sua linguagem e de suas idéias, acolhendo no universo intelectual o cretinismo endêmico de sua cultura." (p. 61)

"Ao incorporar os elementos da cultura sertaneja, a literatura regionalista atribui ao homem comum o poder de interpretar a realidade, conferindo uma dimensão alegórica às suas atividades cotidianas, mitificando-lhe a mentalidade vulgar, de sua linguagem às suas crendices, como se séculos de obscurantismo tivessem gerado um maior grau de compreensão do mundo." (p. 88)

"Os sertanejos são condenados a viver sem um motivo. É esta a mensagem que a verdadeira literatura precisa dar. (...) A verdadeira literatura demonstra que o sertanejo não sabe nada, não muda nada, não aprende nada, não entende nada, não vale nada. A verdadeira literatura destrói as veleidades do homem acerca de si." (p. 90)

(Diogo Mainardi, "Polígono das secas")

espécie de meta-romance-pseudo-ensaio, "polígono das secas" (1995), de diogo mainardi, investe contra a literatura regionalista nordestina, pondo em cena um enigmático personagem, o "untor", que "é como o autor" (p. 118) e que percorre o semi-árido disseminando a morte de retirantes, coronéis, jagunços, vaqueiros, violeiros, cangaceiros, etc., e subvertendo tradições e temas recorrentes do universo sertanejo

Saturday, April 26, 2008

na terça-feira, 29 de abril, completam-se 28 anos da morte do diretor de cinema Alfred Hitchcock (1889-1980). em homenagem a ele, a edição de hoje do caderno "Cultural" do jornal A Tarde publicou, ilustrado por Gentil, o meu poema a seguir:

"Os pássaros"

Aos mestres Alfred Hitchcock e André Setaro
Gaivotas raivosas,
agressivas, atacaram
uma cidade indefesa
à beira da Baía.

Os animais, ensandecidos,
tomaram a paz da paisagem
na vila e no balneário,
tal ameaça ambiental.

Cada criatura aeromarítima
arremessava-se, em rápida descida,
como uma ave de rapina
que mira a presa e cai em cima.

Uma senhorita rica
teve a testa atingida
pelo golpe de um bico agudo,
que deixou feia ferida.

Outras mulheres, e crianças,
também sofreram bicadas
certeiras na cabeça,
tiveram as roupas rasgadas.

Uma nuvem de passarinhos
choveu dentro da sala,
derramando-se, chaminé
abaixo, com grande estrago.

Um velho foi encontrado
morto, onde morava,
com os dois olhos furados.
Xícaras quebradas!

Tais fatos disseminavam
transtorno, medo e desespero,
abalando a tranquilidade
daquela comunidade.

Os corvos, um por um,
vieram se empoleirar
(como um bando de morcegos)
nos brinquedos do colégio.

Os pássaros de mau presságio
(vento, fumaça ou nevoeiro),
acabaram com o sossego
daquela gente ordeira.

Corvos pretos, alvas gaivotas,
aves de várias espécies,
aparentemente nervosos.
Fenômeno inexplicável!

Suas vozes cruzavam os ares
com o som de ferragens rangentes,
apavoravam os moradores
desencadeando o suspense.

Uma gaivota desferiu
um golpe veloz e certeiro
no rosto do frentista
no posto de gasolina.

Socorro, gritou alguém do povo,
na tentativa de fuga.
O caos cobriu a rua,
sangue, pânico, fogo!

Os corvos, quem pensam que são?
O que se passa com as gaivotas?
Para que perturbam a ordem?
Por que causam confusão?

Depois de sete dias
de ofensivas sobre o lugar,
já eram muitas as vítimas,
algumas com risco de vida.

Só um par de periquitos
permanecia quieto,
imóvel, no meio do desvario,
confabulando em silêncio.

Apenas aqueles, mulher e homem,
mantinham o sangue frio
e estavam sérios e atentos
no mais louco Paraíso.

Wladimir Cazé © 2008

Friday, April 25, 2008

"Criei-me nos mangues lamacentos do Capibaribe cujas águas, fluindo diante dos meus olhos ávidos de criança, pareciam estar sempre a contar-me uma longa história. O romance das longas aventuras de suas águas descendo pelas diferentes regiões do Nordeste: pelas terras cinzentas do sertão seco, onde nasceu meu pai e de onde emigrou na seca de 1877 com toda a família, e pelas terras verdes dos canaviais da zona da mata, onde nasceu minha mãe, filha de senhor de engenho. Esta era a história que me sussurrava o rio com a linguagem doce de suas águas passando assustadas pelo mar de cinza do sertão, caudalosas pelo mar verde dos canaviais infindáveis e remansosas pelo mar de lama dos mangues, até cair nos braços do mar de mar."

(Josué de Castro, "Homens e caranguejos", 2ª edição, p. 16)



"homens e caranguejos" (1967) é o único livro de ficção do médico e geógrafo pernambucano josué de castro (1908-1973) e esteve fora de catálogo por décadas até o lançamento desta segunda edição pela editora civilização brasileira (2005). com uma prosa leve, vívida, bem-humorada e até didática, narra o cotidiano dos moradores de uma favela à beira de um mangue no recife.
"(...) talvez esse lugar para onde iam fosse melhor que os outros onde tinham estado. (...) Chegariam a uma terra distante, esqueceriam a catinga onde havia montes baixos, cascalhos, rios secos, espinho, urubus, bichos morrendo, gente morrendo. Não voltariam nunca mais (...). Fixar-se-iam muito longe, adotariam costumes diferentes. (...) andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. (...) Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. (...)"

(Graciliano Ramos, "Vidas secas", 57ª edição, ps. 121-126)

publicado há exatos 70 anos, o breve romance (ou conjunto de contos semi-independentes) "vidas secas" é uma lição de estilo e rigor formal. li-o pela primeira vez no começo dos anos 1990 e estive relendo-o na semana passada, captando suas ressonâncias temáticas (obviamente) e estruturais (fuga-permanência-fuga) no meu (a-ham!!...) romance in progress. o livro é tão bom que terminei de ler e recomecei no mesmo instante.

Tuesday, April 22, 2008

nesta quarta-feira, 24 de abril, das 19h às 21h, acontece em Porto Alegre (RS), na Casa de Cultura Mario Quintana, o lançamento da 1ª edição da revista-pôster Teia de Poesia, que conta com um poema conhecido dos leitores deste blog (meu "Barata", publicado em post do dia 28 de janeiro). o grupo Teia de Poesia é formado por Diego Petrarca, Lorenzo Ribas e Telma Scherer (autora do belo livro de poemas "desconjunto", publicado em 2000) e realiza recitais desde 2002. Ao todo, 10 poetas participam da 1ª edição da revista-pôster, entre gaúchos e paulistanos (Berimba de Jesus, Eduardo Lacerda) e etc.

Thursday, April 10, 2008

a poeta gaúcha angélica freitas estreou em livro no ano passado, com "rilke shake" (cosac naify), pequeno volume que alterna três séries de poemas com sabor de mimeógrafo: uma primeira se volta em verve satírica para o cânone do modernismo (mallarmé, pound, marianne moore); uma segunda enfoca uma infância quase bucólica em contato com os signos do consumo ("um fusca / vermelho bala soft", p. 45); e uma terceira, na qual ganha voz uma jovem adultidade estilhaçada no panorama internacionalizado dos dias de hoje, manifesta em ecos de palavras estrangeiras (inglês, francês, espanhol, nomes próprios em húngaro, russo, polonês) e num eu-lírico nômade e iconoclasta - que chega a metamorfosear a própria autora em uma artéria urbana ("alça vôo a aventura na avenida angélica", p. 55), a quase dissipar-se "entre o canteiro central da paulista e a vista do vão do masp" (p. 55)

Friday, April 04, 2008

"Fiquei irritado hoje porque meu original não está tão bom quanto deveria, mas esse é um sentido de perfeição olímpico, não humano. Levaria outro ano, talvez mais, para 'aperfeiçoar' (...), e isso não faz sentido (na verdade, não ficaria melhor, segundo padrões de trabalho humanos). Allen Ginsberg insiste que eu o 'aperfeiçoe', mas ele é um poeta, e um escritor de versos é assim. O romancista sempre tem outra grande história para escrever, não tem tempo para lapidar suas histórias velhas, não é um decorador, mas um construtor. Além disso, percebo que pelo menos a minha literatura, apesar de imperfeita, é original no sentido original dessa palavra... é meu pensamento, nada apanhado das terminologias do tempo, minhas próprias palavras, meu próprio trabalho estranho." (Jack Kerouac, diário pessoal, sexta-feira, 18 de junho de 1948)


"Diários de Jack Kerouac, 1947-1954" (tradução de Edmundo Barreiros, 360 p.) reúne registros pessoais do escritor entre seus 25 e 32 anos de idade, período em que, sem emprego fixo, morando com a mãe e dedicado quase exclusivamente à literatura, escreveu seus primeiros romances, "The town and the city" (cujo manuscrito alcançou 1.100 páginas datilografadas!!) e "On the road", entre noitadas colossais em nova york e viagens de costa a costa pelos Estados Unidos

Monday, March 31, 2008

lançado há poucas semanas, "para colorir" reúne crônicas de ricardo cury, baterista (desde 1994) de inúmeras bandas baianas. "nem de longe uma autobiografia", conforme o autor observa no "prólogo", a organização dos "textos em uma determinada ordem (...) acabou fazendo com que o livro ficasse parecido, e apenas parecido, com um romance" (p. 12) bem-humorado sobre o cotidiano cultural de salvador (futebol, carnaval) e sobre o dilema de seguir uma profissão convencional ou viver de rock na terra do axé - entre capítulos que contam viagens ao vale do capão (chapada diamantina), à europa, a países do mercosul (chile e argentina) e a são paulo.


"seis passeios por cidade de deus" (universidade estadual de feira de santana, 2007) reúne artigos curtos sobre diversos aspectos dos dois "cidade de deus" (o livro e o filme), particularmente a passagem da "dialética da malandragem" (apud antonio cândido e roberto da matta) para a "dialética da marginalidade" (apud joão cezar de castro rocha). a professora patricia cerqueira escreve sobre os "assaltos literários de paulo lins", ou seja, as reapropriações textuais - assumidas pelo autor do romance "cidade de deus" numa entrevista de agosto de 1997 - de trechos de obras de dostoiévski, josé lins do rego e carlito azevedo. o livreto inclui uma entrevista com o crítico de cinema ismail xavier ("convergências cinema e literatura").

Monday, March 24, 2008

trechos do caderno "van gogh"

23.2.2008.
(...) já sobrevoamos o oceano, agora o continente. as águas de um rio barrento arreganham garras vermelhas, cravadas na terra verde. uma cidade (qual?) ocupa as duas margens de um outro rio e a ilhota entre elas, totalmente urbanizada. (...)

24.2.2008.
(...) de outras vindas ao rio, explorei copacabana, niterói, ipanema e santa teresa. a lapa é o ponto de partida agora. domingo de ruas vazias no centro sujo e pobre, durante meu tradicional passeio sozinho. (...) toda viagem é pontuada por coletas, ao final do trajeto rastros congelados em objetos: fotografias, folhetos, livros, recortes de jornal. suei sob o ar abafado, pés cansados do giro a esmo. carioca, cinelândia... (...)

25.2.2008.
no gabinete portuguez, localizo uma "antologia de páginas íntimas" de kafka (seleção, prefácio e tradução de alfredo margarido, guimarães editores, 1961, lisboa, rua do diário de notícias, 61), com trechos dos diários de 1910 a 1923. copio sempre as anotações em que kafka reclama de como escrever é difícil: "nem uma palavra, quando escrevo, se conjuga com outra, ouço as consoantes chocarem-se, soando ocas" (1910, p. 38), "um conhecimento de nós só poderia ser definitivamente fixado por notas se tal pudesse fazer-se com a maior integridade, até nas menores consequências, ao mesmo tempo que com a mais inteira veracidade. isso não se faz de modo algum - e sou em todo o caso incapaz -, então, o que se anotou substitui, intencionalmente e com toda a força do que é fixado, o sentimento puramente geral, tanto e tão bem que o justo desaparece, enquanto se reconhece demasiado tarde a não-valia do que se anotou" (1911, p. 45), "tenho a crença infeliz de que não disponho de tempo para realizar o menor trabalho válido, porque, para escrever uma história, não tenho verdadeiramente tempo de me dispersar em todas as direções, como seria necessário. de novo sou levado a crer que a minha viagem poderia efectuar-se melhor e que saberia apreender melhor as coisas se me libertasse, escrevendo um pouco e é por isso que tento novamente" (1911, p. 56), "tudo está preparado em mim para um grande trabalho poético e (...) semelhante trabalho seria para mim uma divina solução e um autêntica entrada na vida, enquanto aqui no escritório devo, em nome de uma miserável papelada, arrancar um pedaço de carne a este corpo" (1911, p. 65), "carne crua" (p. 65), "carne cortada em mim (tanto esforço me custou encontrá-la)" (p. 65). a "carne" a que kafka se refere na última citação é a palavra, não a palavra poética, mas o jargão jurídico usado profissionalmente como funcionário da companhia de seguros. (...) no salão de leitura da biblioteca nacional (...) trouxeram-me "diário de viagem" (kafka, traduzido do alemão por marcelo rouanet, organização, prefácio e notas por cecília prada, ed. atalanta, são paulo, 1998), livro que eu não conhecia, e, também novo para mim, "diários" (tradução de torrieri guimarães, ed. itatiaia, belo horizonte), seleção de trechos diversa da que encontrei pela manhã. comecei a ler este último, a partir de 1912. às vezes, kafka parece entusiasmar-se com sua produção e reconciliar-se com a escrita, como quando relata o processo criativo do conto "o veredito": "todas as coisas podem ser ditas, todas as idéias que chegam ao espírito, por mais abstrusas que sejam, são aguardadas por um enorme fogo onde sucumbem e ressuscitam" (1912, ps. 91 e 92 da tradução de torrieri). em outro momento, "minha capacidade de escrever perde-se" (sem data, p. 166 da tradução de torrieri), anota kafka. outros tópicos que também poderiam ser pesquisados em seus diários: a solidão, a tensão entre o trabalho no escritório e o trabalho literário. as edições em português que até agora encontrei são seletas dos diários completos, não contém o texto integral que achei em alemão (ICBA, salvador) e em francês (gabinete portuguez, rio).

26.2.2008.
encontrei ainda "o diário íntimo de kafka - único e exclusivo" (tradução de oswaldo da purificação, nova época editorial, sem data), no instituto goethe (rua do passeio), também uma coletânea de passagens do diário, com a curiosidade de que elas vêm sem ano (exemplo: "domingo, 19 de julho"). esta biblioteca tem todas as versões dos diários de kafka já citadas, sendo que a "antologia de páginas íntimas" em reedição de 1997. (...) a história de minha perseguição aos escritos pessoais de kafka continua na biblioteca rodolfo garcia, da academia brasileira de letras (avenida presidente wilson, 231), onde se encontra "franz kafka en testimonios personales y documentos gráficos", de klaus wagenbach (alianza editorial, madrid, 1970), biografia curta, com fotos, sem grandes atrativos. (...)

27.2.2008.
o diário de leituras avança, plenamente instalado no cotidiano literário que criei aqui no rio de janeiro. o aspirador de pó do gabinete portuguez agride o ambiente, pára de fazer ruído, recomeça a zunir, quebra minha introspecção. "e a gente não tem outro remédio senão gastar as horas a fabricar esta prosa travada, mais circunlóquio menos circunlóquio, esta prosa perra e oca" (miguel torga, diário, I, 1932). fui atrás de outras traduções para os trechos dos diários de kafka copiados dois dias atrás: "nem uma palavra, à medida que eu escrevo, conjuga-se com outra, escuto consoantes que se chocam, soando ocas" (1910, p. 28 da tradução de torrieri), "um conhecimento de nós próprios apenas poderia ser definitivamente fixado através de notas se isso se pudesse fazer com a maior lisura, mesmo nas mais ínfimas consequências, do mesmo modo que com a mais completa veracidade. isso não é feito de maneira alguma - e sou de qualquer modo incapaz - então, aquilo que se anotou, substitui, com intenção e com toda a força do que é fixado, o sentimento puramente geral, tanto e tão perfeitamente que o sentimento exato deixa de existir, enquanto se reconhece muito tarde a não validade daquilo que se deixou anotado" (1911, p. 37, id.), "o sentimento aterrorizador de que tudo está preparado em mim para um enorme trabalho poético e de que tal labor seria para o meu caso uma solução divina e uma verdadeira entrada na vida, ao passo que aqui no escritório devo, em nome de uma ínfima papelada, cortar um pedaço de carne a este corpo" (1911, p. 54, id.), "tenho a desgraçada intuição de que não disponho de tempo para concluir o menor trabalho válido, pois, para redigir uma história, não tenho realmente tempo de me dispersar em todas as direções, como necessitaria. outra vez sou induzido a acreditar que a minha viagem poderia realizar-se melhor e que aprenderia a compreender melhor as coisas se me libertasse escrevendo algo e é por esse motivo que eu tento outra vez" (1911, p. 46, id.).

29.2.2008.
sigo sempre meio à margem, no anonimato, nômade, fingindo-me invisível para não ser notado. capturo uma definição para os diários de leitura dos diários de kafka: "kafka 'antecipou' tanto o modo quanto as principais consequências dessas irrupções ['bruscas irrupções do acaso na vida cotidiana'] que dilaceram as ilusões de segurança manipulada, plasmando assim (...) o modo pelo qual a vida humana, em particular aquela do homem comum, é afetada pelas novas características da alienação capitalista" (carlos nelson coutinho, "lúkács, proust e kafka - literatura e sociedade no século XX", civilização brasileira, 2005, p. 154).

Tuesday, March 18, 2008

Boa noite, meus ouvintes!
Nós somos o grupo Corte!
Viemos mostrar nossos livros
e arriscar a nossa sorte!
Eu garanto que são bons!
Também fazemos um som!
Música e letra é nosso forte!

Katherine contribui
com sua musicalidade!
Vocês vão ouvir histórias
do Gustavo e do Trindade!
Sandro vai ler poesias!
Agradeço ao Messias
pela oportunidade!

"O amor é uma coisa feia",
está escrito aqui na capa!
De onde veio essa idéia? -
Pergunto a meu camarada!
Responda rápido, Gustavo!
O público já está bravo
e achando essa frase errada!

"Corações e serpentinas"
pintam nos contos do Lima!
Quadrinhos, cultura pop!
É mais ou menos esse o clima...
Peçam os seus autógrafos!
Preparem-se, fotógrafos!
Conheçam a obra-prima!

Este é "Trabalhos do corpo",
poemas de Sandro Ornellas,
variações e derivas
da vida e suas mazelas!
Aqui no pátio do ICBA,
o Remix-se ficou bala
e a festa está bela!

[versos de circunstância que recitei no evento de estréia do grupo Corte (Cazé, Ornellas, Rios, Trindade), sábado passado, no Pátio do ICBA, em Salvador. li também um trecho curto escrito no fim do ano passado. foi legal.]

Friday, March 14, 2008

semana que vem, pegarei a estrada para participar do "Panorama da Literatura Baiana Contemporânea", com os escritores Lupeu Lacerda, Sandro Ornellas, Gustavo Rios, Lima Trindade, Mayrant Gallo, José Inácio Vieira de Melo e Renata Belmonte. O evento - promovido pelo Departamento de Letras e Artes/Núcleo de Leitura, da UEFS, e pela equipe do blog-revista "Entre Aspas" - tem o objetivo de promover o encontro entre escritores e público para gerar um debate sobre os novos rumos da literatura na Bahia.

SERVIÇO
:

O que: "Panorama da Literatura Baiana Contemporânea"
Quando: 19 de Março de 2008 (quarta), das 8h às 18h
Local: Anfiteatro – módulo II (UEFS)

(clique na imagem para ver ampliar)

Thursday, March 06, 2008

RECITAL DE LITERATURA E ROCK'N'ROLL

Escritores baianos da nova geração farão uma leitura de trechos de seus livros no sábado, 15 de março, às 18h, no pátio do ICBA (Instituto Goethe, Avenida Corredor da Vitória, 1.809). São eles o poeta Sandro Ornellas, com "Trabalhos do corpo e outros poemas físicos" (2007), e os contistas Gustavo Rios, com "O amor é um coisa feia" (Sette Letras, 2007) e Lima Trindade, com "Corações blues e serpentinas" (Arte Paubrasil, 2007). Os livros estarão à venda na ocasião.
"Esses três livros foram lançados em 2007, em datas separadas, sempre nas manhãs de sábado, numa livraria do centro de Salvador", diz Lima Trindade. "Quando percebemos a afinidade que existe entre nossos trabalhos, tivemos a idéia de fazer um relançamento conjunto, em outro local e outro horário, como uma forma de nos aproximarmos de um público diferente, ligado em cultura pop e comportamento jovem."
Além de Ornellas, Rios e Trindade, participam do recital no ICBA os escritores e jornalistas Katherine Funke (que fará a trilha sonora do recital tocando guitarra elétrica) e Wladimir Cazé (que lerá trechos de um livro que está escrevendo).
O recém-formado grupo literário Corte (Cazé, Ornellas, Rios e Trindade) produz poesia e prosa sob influência de música popular, quadrinhos, cinema e clássicos da literatura mundial. "O nome 'Corte' é uma sigla com as iniciais dos nossos sobrenomes, em ordem alfabética", explica Cazé, de acordo com quem a letra "e" ao final do nome representa a participação de um escritor convidado a cada novo evento do Corte.
Nos livros dos autores do Corte, encontra-se principalmente a vontade de ser realmente livre para escrever e viver. Nas suas obras, estilo de escrita e estilo de vida se confundem (à maneira dos beatniks). O Corte anuncia outros eventos promocionais de suas obras em Feira de Santana (19 de março, auditório da UEFS, durante todo o dia, com a presença dos escritores Mayrant Gallo, Renata Belmonte, José Inácio Vieira de Melo e Lupeu Lacerda) e em Porto Alegre/RS (de 27 a 29 de março, durante a Festipoa Literária).

SERVIÇO:

Quem: Corte
O que: Recital de literatura e rock
Onde: pátio do ICBA, Avenida Corredor da Vitória
Quando: sábado, 15 de março, às 18h
Preço: Entrada franca

Tuesday, March 04, 2008

literatura e rock'n'roll

vou participar do evento abaixo, apareçam:

(clique na imagem para ver ampliar)

Monday, February 25, 2008

com o título de "Pequeno tratado sobre o corpo", foi publicada minha estréia no caderno "Cultural" do jornal baiano "A Tarde" (de 23/02/2008). trata-se de uma resenha do livro "Trabalhos do corpo e outros poemas físicos", de Sandro Ornellas, que teve origem em um post de 2 meses atrás, aproveitado como primeiro parágrafo do novo texto. publico abaixo o restante do texto original, ainda com os trechos (em negrito) limados da edição final:

"(...) O poeta mergulha em territórios desconhecidos, abandonando a pressa e a indecisão do primeiro trabalho, publicado há dez anos, "Simulações" (1998), livro recheado de percepções urbanas relativamente satisfeitas com "o prazer do clichê" (p. 59 de "Simulações"): história em quadrinhos, cinema, vídeo, outdoors de publicidade. Em seu contato inicial com a realidade sobrenatural da poesia, Ornellas não chegava a transfigurar uma visão de mundo em objetos verbais bem-acabados.
No segundo livro, o salto qualitativo é imensurável. Sua literatura se volta para universos ainda pouco explorados pela poesia brasileira (o grafite, a tatuagem, as comunicações em tempo real, a hiperpresença por meio da conectabilidade móvel), abordando, em tons reflexivos e versos mais alongados do que os do livro de estréia, a mitologia do corpo contemporâneo, com seus piercings e cânceres, suas cirurgias plásticas e dietas, suas transgenias e próteses. Essa investigação lírica se baseia numa estética literalmente empírica e presenteia o leitor com brilhantes meditações sobre as pequenas insurgências contra o cotidiano praticadas por todos, revelando certo teor político.
O corpo é "carne desgovernada" (p. 11), "espelho do fora" (p. 11), "breve sonho da matéria", p. 12). O poeta anuncia: "reergo as dobras, os ossos, os canais circulatórios / as glândulas, as fibras musculares que sustentam o eu mínimo" (P. 15). Ele luta para "que o poema continue metonímia da pele" (p. 15) e busca, por intermédio de um "corpo / que a tudo se acopla" (p. 15), "uma escrita a polir um estilo de viver / a domar as formas do escrever / do corpo" (p. 22), pois "em terra de mudos / mais vivo é quem se cola às coisas como crosta / palavra de carne, sangue e pêlos" (P. 20).
Sandro Ornellas compõe o recém-formado quarteto literário beat baiano 4 Beats, que anuncia uma miniturnê de lançamento dos livros de seus autores. Além de "Trabalhos do corpo e outros poemas físicos", estão sendo apresentados ao público "O amor é um coisa feia", de Gustavo Rios (Sette Letras, 2007) e "Corações blues e serpentinas", de Vivaldo Lima Trindade (Arte Paubrasil, 2007). Os três autores farão eventos promocionais de suas obras em Salvador (15 de março, às 18h, no pátio do ICBA, Avenida Corredor da Vitória), em Feira de Santana (19 de março, Anfiteatro Módulo II da UEFS, durante todo o dia) e Porto Alegre/RS (de 27 a 29 de março, durante a Festipoa Literária). O quarto componente do 4 Beats é o poeta Lupeu Lacerda, da vizinha da cidade baiana de Juazeiro/BA, onde, em 11 de janeiro, o grupo literário realizou o evento inaugural da miniturnê.